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Vamos falar sobre apropriação cultural

Por Roberta Domingues

"Nós somos uma cultura, e não uma fantasia. Este não é quem eu sou e isso não é legal" Foto: STARS

Apropriação cultural é "a adoção de alguns elementos específicos de uma cultura por um grupo cultural diferente", segundo o site Geledés. Isso pode incluir modos de se vestir e gestos, além de elementos típicos de uma cultura, como o uso de dreadlocks e o cocar indígena.

Esse tema é causa de sérios debates e brigas. No começo do ano tivemos a polêmica sobre a paciente com câncer usando um turbante, que gerou intensa discussão na internet. Mas apropriação cultural não é frescura. Muitas vezes feita sem querer, ela fere algumas pessoas enquanto glorifica outras.


Nas palavras de quem sofre

A twitter @cathythemango escreveu sobre o assunto, e sua postagem tem mais de 8 mil compartilhamentos. Ela diz: "Você quer saber o que é apropriação? Não é 'pegar emprestado' de outras culturas. Não sou eu comendo burritos, fazendo aulas de Krav Maga [uma luta típica israelense] ou acompanhando minha amiga quando ela foi fazer henna para o casamento dela. Não sou eu dizendo 안녕하세요 para o meu vizinho. Nenhuma dessas coisas é ruim! Deixe eu te dizer o que é 'apropriação'; é quando fui ridicularizada pela minha história na China comunista [a autora é chinesa] e meu colega branco foi aplaudido. É quando meus amigos negros são julgados pela sua atitude 'ghetto', mas vêem outras pessoas adotando a mesma atitude para parecerem legais. É quando meus amigos muçulmanos são zombados em um restaurante paquistão em que os donos são brancos. É quando as pessoas usam kimonos no festival das cerejeiras e depois tiram sarro dos japoneses pelo sotaque deles. É quando o tema do seu casamento é Cinco de Mayo e você não tem convidados hispânicos e só eles são os serventes. É quando uma cultura é pega fora do contexto pelo simples fato de ser esteticamente bonita e ao mesmo tempo diminui as pessoas que fazem parte daquela cultura. Você entende? Ninguém vai te impedir de comer yakissoba."


A questão dos dreadlocks

Dreadlocks não são somente um tipo de penteado. Existe uma complexa e bonita história por trás desse estilo. Ela data desde o tempo dos egípcios, e teve papel fundamental durante a colonização da África pelos europeus. Josie Pickens, do site Ebony, nos fornece uma visão mais do que suficiente. Os rastafáris utilizavam os dreads como forma de rebeldia contra os colonizadores, que esperavam deles uma atitude mais "britânica", simplesmente por deixar o cabelo crescer em seu estado natural. Era uma forma de revolução.

Os negros que saíram da África na época da escravidão e que popularizaram o estilo pelo mundo eram militantes e visavam acabar com a opressão dos brancos. "O privilégio de poder usar dreads sem precisar saber absolutamente nada sobre a história deles é o que irrita os negros", escreve Josie.


Brancos e negros utilizam dreadlocks; porém, são os negros que sofrem as consequências. Foto: Google imagens

Por que não podemos ser todos iguais e compartilharmos a mesma cultura?
Por mais que queiramos pensar em um mundo igualitário, deve-se levar em conta um simples fato: a realidade. No mundo real, não somos iguais, e estamos muito longe de sermos. O que isso quer dizer? Que o padrão de beleza regente no mundo atual é o europeu -- pele branca, olhos claros, cabelo fino e liso, porte magro -- e que tudo o que foge dele é considerado feio. A sociedade impõe esse padrão ao dizer que o cabelo em dreads é feio, que as mulheres negras que usam seus cabelos naturais são "descuidadas", e que as que alisam o cabelo são "ajeitadinhas". Nesse caso, a apropriação cultural se dá quando os modos de ser negro (linguajar, roupas, atitude, até mesmo o cabelo) são moda, mas os próprios negros são obrigados a cortarem seus dreads para conseguirem empregos.

E quando mulheres negras alisam o cabelo?
Tendo em vista que as mulheres negras já estão fora do padrão de beleza, alisar o cabelo é uma técnica de sobrevivência para adaptar-se à sociedade. "Quando um grupo marginalizado utiliza-se de elementos da cultura dominante, não é apropriação, e sim assimilação", escreve Maisha Z. Jhonson para o site Everyday Feminism. "Uma mulher branca usando dreads utiliza-se do seu privilégio para usar o penteado e ser aceita, talvez ainda recebendo um feedback positivo sobre seu cabelo. No entanto, uma mulher negra com dreads é tida como inferior pelo simples fato de seu cabelo não parecer como o de uma pessoa branca. Por isso é mais provável que ela alise".

Quando Kylie Jenner postou uma foto sua no Instagram usando tranças na raiz do cabelo, a atriz Amandla Steinberg (conhecida pelo seu papel como Rue no filme Jogos Vorazes) pronunciou-se:

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Em seu instagram, Kylie aparece usando tranças de raiz, um penteado culturalmente africano. Foto: @kyliejenner no Instagram

"Kylie está usando sua fama para dar atenção ao seu cabelo, que imita a cultura negra, mas não para a violência racista que os negros sofrem."


A mesma coisa é válida para o uso de turbantes. Enquanto mulheres brancas usam o turbante como acessório de moda, esquecem que ele possui significado religioso para certas culturas e que outras pessoas são ridicularizadas ou agredidas verbalmente pelo uso do mesmo. Dhipinder Walia, uma mulher indiana, publicou no site Thought Catalog sobre como sofre com essa disparidade de opiniões. "Quando você decide usar um turbante porque é 'bonito' ou 'legal', você não reconhece todas as pessoas que foram excluídas de viagens de família, empregos, uma caminhada na rua, ou um jantar agradável porque estão usando sua religião em suas cabeças. Você não lembra de todos os olhares que deu para aquele homem velho de barba e turbante no metrô".


O Halloween está chegando


Do mesmo jeito que o uso de dreadlocks e turbantes pode parecer inofensivo, usar uma fantasia que remete a uma cultura que você desvaloriza ou ridiculariza é extremamente ofensivo para alguns. Por isso, tenha isso em mente quando for se preparar para a festa à fantasia. Vestir-se de índio e usar o cocar com penas é tirar todo o simbolismo religioso presente na roupa e usá-lo como diversão. Vestir-se de mexicano é tirar sarro de uma cultura historicamente oprimida. Divirta-se, mas não às custas da cultura dos outros.



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"Você usa a fantasia por uma noite. Eu carrego o estigma para o resto da vida" Foto: STARS

Quer saber mais? Confira o vídeo de Nátaly Neri falando sobre o assunto.








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