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A morte dos rios paulistanos

Por Guilherme Queiroz


Rio Pinheiros antes e depois da retificação. Reprodução: Foto 1Foto 2

São Paulo de Piratininga. Esse foi o primeiro nome da vila que se tornaria a cidade mais populosa da América. Em 1554, padres construíram um colégio jesuíta no alto de uma colina entre  dois rios. E assim começou a história de São Paulo, e também, o início do fim dos rios paulistanos.
     
Os dois rios que passavam, e ainda passam no local que hoje é conhecido como Pateo do Collegio, seriam os rios Anhangabaú e Tamanduateí. No início do desenvolvimento da vila, os rios era fundamentais. Ambos dão conexão ao Tietê, que dá acesso a uma grande parcela do interior do estado de São Paulo.

Representação de como seria o Rio Tamanduateí com o colégio jesuíta ao fundo. Artista: Paulo de Carvalho

A cidade começou a se desenvolver ao redor da construção jesuíta. Comércios, casas, e até mesmo um importante porto eram localizados na região.

Até o momento, os rios tornavam-se parte viva e essencial para a vila que começava a virar cidade. A expansão definitiva de São Paulo foi com a expansão cafeeira para o interior do estado. Vários investimentos começaram a ser feitos na região, como a ferrovia controlada pelos ingleses, a São Paulo Railway, que ligava o interior do estado ao Porto de Santos, construída na segunda metade do século XIX. O trajeto da ferrovia quando chega em São Paulo foi feito utilizando-se da área da planície do rio Tamanduateí.

Anúncio em jornal da construção da São Paulo Railway Company. Fonte

Com a construção da ferrovia, o uso do transporte hidroviário caiu em desuso. A cidade crescia mais e mais, e os rios, que antes eram artérias de São Paulo, tornaram-se obstáculos. Um dos símbolos ostentados pela elite paulistana durante o início da modernização da cidade, era o Viaduto do Chá. O Viaduto que hoje passa pelo Vale do Anhangabaú foi construído para ligar partes da cidade que eram divididas pelo rio Anhangabaú. A construção, até 1887, só podia ser utilizada perante o pagamento de um pedágio. Com estruturas importadas da Alemanha, a estrutura conectou o centro da cidade aos novos bairros, que começavam a serem loteados. Os bairros, no início foram feitos para serem ocupados pelas elites, pelo alto preço dos loteamentos, surgia então o Higienópolis e os Campos Elíseos.

Os terrenos de alto padrão exigiram outro tipo de investimento, o fornecimento de água encanada e esgoto. Em 1878, os mesmos que investiram nos novos bairros, formam a Companhia de Águas e Esgoto Cantareira. A modernidade e a poluição vão de mão dadas. O esgoto era todo despejado nos rios e córregos da cidade. E claro, o resultado foi uma crise sanitária. As várzeas do Tietê e do Pinheiros, principalmente, tornam-se extremamente poluídas e várias epidemias começam a eclodir.

A questão sanitarista, somada ao empecilho que os rios representavam para a expansão da cidade, que já havia extrapolado a região central e começava a crescer em direção as áreas do Tietê e do Pinheiros, levou ao início da canalização dos rios paulistas. O Vale do Anhangabaú passa a só ter "vale" no nome, é tomado de concreto e o rio que antes existia embaixo do Viaduto do Chá desaparece da vista e se torna subterrâneo. A Ladeira do Porto Geral passa a ser apenas uma ladeira, sem fornecer acesso a nenhum rio. O parque Dom Pedro II, antes com a vista do Tamanduateí, por ser localizado às suas margens, passa a ter visão de um canal, com a canalização do rio em 1912.

Vista da região do Porto Geral, autor  desconhecido, foto datada de 1862. Fonte

E é claro, que a canalização de diversos afluentes do Tietê não foi onde pararam. Os argumentos dos sanitaristas convenceram a população e o governo. Mas o mais inusitado de toda essa história é o modo como foi realizado a retificação do Tietê e do Pinheiros. A Companhia de Melhoramentos do Rio Tietê ficou responsável pela execução da obra e o início da transformação do gigante paulista em como nós o conhecemos atualmente, quando ele passa pela capital.

Foi dada a concessão do rio a empresa no início dos anos de 1920. Precisava-se então delimitar o que era o rio. Não é simplesmente o local por onde passam as águas, mas também a área de cheia. E na época, a população mais pobre que morava na várzea do rio era também a mais afetada pelo esgoto e as diversas doenças que foram causadas por todos os resíduos despejados nas águas do Tietê. Para o início das obras, precisava ser feita a desapropriação das terras, e muitos não queriam vender ou queriam vender por preços altos. A Companhia então encontrou a solução.

Em 1929, aconteceu a maior enchente da história da cidade de São Paulo. O que não se sabia até a publicação do trabalho de Odette Carvalho de Lima Seabra, intitulado "Os Meandros dos Rios nos Meandros do Poder" era que, na verdade, a enchente foi provocada. Na época, a antiga Light era responsável pela Represa Cantareira. Antes da enchente, houve uma enorme chuva, mas segundo a pesquisa da professora Odette, o volume de água não seria suficiente para causar a enchente. Odette descobriu então que, na verdade, a Light abriu as compotas da represa e houve a inundação.

Enchente em São Paulo em 1929, autor desconhecido. Fonte

O objetivo da Companhia de encontrar os limites do rio foi cumprido então, e ainda por cima, a empresa pôde comprar várias propriedades a preços baixíssimos.

A retificação do rio então, é iniciada. O Tietê e o Pinheiros são rios de planície, por isso serpenteavam ao longo do seu trajeto. Com a obra, os rios tornam-se um único canal. Começa então, a morte do rio. Ou melhor, dos rios.

Rio Pinheiros atualmente. Fonte

Rio Pinheiros antes da retificação. Fonte

Com a chegada do automóvel do Brasil, a elite paulistana passa a querer com que sua cidade vire a capital latina dos carros. Uma São Paulo lotada de avenidas largas, viadutos, essa era a prioridade do transporte. Nessa mesma época Francisco Prestes Maia, engenheiro, começa a bolar o seu plano de construção de uma cidade com Avenidas Radiais Concêntricas. Inspirado em cidades como Viena (Áustria), Paris (França) e Moscou (Rússia), Prestes Maia queria colocar as mesmas bases de transporte em São Paulo, porém, pulando etapas. As cidades anteriormente mencionadas, tem o plano de avenidas, mas junto com a construção das mesmas, construiu-se também um anel ferroviário e hidroviário. Porém, o engenheiro ignorou esses mecanismos e deu prioridade aos carros.

Plano de avenidas de Paris. Fonte

Plano de avenidas de São Paulo. Fonte

Os planos de Prestes Maia se concretizaram quando ele se tornou prefeito da cidade em 1938. Para construir o seu plano de avenidas, ele se usa dos fundos de vales dos rios e córregos, por serem áreas de pouco valor imobiliário, ou seja, mais fáceis de serem desapropriadas. Surgem então, as principais avenidas de São Paulo, como a Avenida do Estado, a Avenida Nove de Julho e a Avenida Vinte e Três de Maio. Consequentemente, o carro ganhou definitivamente o seu espaço.

Diversos rios e córregos, submergidos, correndo na escuridão, embaixo de nós, nas ruas. Se tornando então, sujos, repletos de esgoto. As medidas de Prestes Maia tornam-se modelo e diversos cursos de água são transformados em subterrâneos.

Contudo, o rio pode até ter sido escondido, mas ele ainda existe. E quando chove, ele busca o seu espaço. Por isso sofremos tanto com enchentes, a enchente paulistana foi inventada, é uma das centenas de consequências da modernidade promovida por Prestes Maia, e tantos outros, que quando se depararam com a natureza desafiando o progresso, tentaram sufocá-la, mas falharam.


Fontes: Os Meandros dos Rios nos Meandros do Poder, Odette CarvalhoDocumentário Entre Rios.

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