Moradores de rua e a gestão Dória
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Foto por Marjorie Wartanian |
Os moradores de rua sempre foram ignorados pela sociedade e pelo Estado. Eles estão espalhados por São Paulo, sobrevivendo com doações e “bicos” pelas ruas da cidade. Até a eleição do atual prefeito de São Paulo, João Dória Junior, as notícias sobre os essas pessoas não eram muitas. No entanto, após o início da nova gestão, os meios de comunicação não pararam de divulgar notícias sobre as agressões que as pessoas nessas condições estão sofrendo.
João Dória fez aproximadamente 80 promessas de campanha nas eleições para o cargo de Prefeito, entre elas está uma que vale a pena destacar: “Assegurar acolhimento para, no mínimo, 90% da população em situação de rua”. Com essa promessa, o gestor tem o dever de acolher um grande número de pessoas e tirá-las da situação precária da vida na rua, mas como ele está fazendo isso? A prefeitura “usa” a polícia para fazer o trabalho sujo — e ela faz perfeitamente bem. A polícia utiliza a violência e a força para tornar a rua um ambiente hostil para os moradores. Mas não é qualquer rua em qualquer bairro da cidade de São Paulo. Os moradores de rua do centro e das áreas nobres estão sendo perseguidos, pois eles incomodam a burguesia — aquela que bateu panelas e, consequentemente, palmas para o golpe dado em 2016 — e atrapalham os planos que o gestor tem para o centro: “Valorização do Centro da cidade de São Paulo, com a implantação de projetos de requalificação urbana”.
O não cumprimento da lei
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Foto por Marjorie Wartanian - Poesia feita por moradora de rua em um livro qualquer que ela achou para escrever |
De acordo com o DECRETO Nº 57.581, DE 20 DE JANEIRO DE 2017 — que introduz alterações no DECRETO Nº 57.069 DE 17 DE JUNHO DE 2016 — as operações de zeladoria urbana deverão seguir princípios como “diálogo como forma de solução de conflitos” e “ preservação de direitos e bens de todas as pessoas, em especial aquelas que se encontram em situação de rua, garantindo-lhes o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Além disso, esse mesmo Decreto, assinado por João Dória, deixa claro que é expressamente “vedada a subtração, inutilização, destruição ou a apreensão dos pertences da população em situação de rua, em especial:
I – de bens pessoais, tais como documentos de qualquer natureza, cartões bancários, sacolas, medicamentos e receitas médicas, livros, malas, mochilas, roupas, sapatos, cadeiras de rodas e muletas; II – de instrumentos de trabalho, tais como carroças, material de reciclagem, ferramentas e instrumentos musicais.”
Os policiais e a guarda civil metropolitana não cumprem a lei — quem nunca ouviu uma notícia dizendo que moradores de rua perderam seus pertences? — e eles são acobertados pelo Estado ao fazerem isso. Ao conversar com um morador de rua tem-se a clareza do que o Estado está fazendo com pessoas nessa situação, elas têm seus pertences pessoais confiscados, documentos, objetos de higiene pessoal e mochilas com objetos íntimos são levados diariamente pela polícia e pela Guarda Civil Metropolitana (GCM).
Relato em primeira mão
Nas calçadas do Túnel José Roberto Fanganiello Melhem — embaixo da Praça do Ciclista, na Av. Paulista — vivem algumas pessoas e elas relataram um pouco de sua trajetória de vida e como a polícia lhes trata — identificarei as pessoas por apelidos para não correr risco de colocá-las em maior situação de perseguição. Existem pessoas morando no local há anos e, segundo elas, a perseguição por parte da polícia nunca foi tão grande quanto na Gestão Dória. Há mais ou menos 2 meses uma igreja de Itapecerica da Serra doou 6 barracas de camping para os moradores do túnel. Tubarão — um gaúcho com muita história para contar e um senso de humor enorme — relata que ele mesmo distribuiu as barracas e que depois de algumas semanas o “rapa” (termo usado para ações policiais) levou todas, mesmo as que foram desmontadas e, nessa situação, não demonstravam moradia. Nesse mesmo dia os moradores perderam cobertores, documentos, e até o saco de ração da linda Duquesa — a cachorrinha de Max, um jovem carismático de 55 anos e com muito amor para dar. Em uma das ações do "rapa", Tubarão teve fotos de sua família confiscadas propositalmente. De acordo com Wan, outro morador, a polícia chega agindo com força, sem respeitar o espaço das pessoas ali presentes. Os moradores relataram que os policiais disseram para eles irem para outro lado da cidade de São Paulo, um lugar que “não seja mira dos empresários” e ameaçou-os avisando que enquanto alguém morasse, ali eles voltariam.
E eles sempre voltam. No feriado do dia 12 de outubro, quinta-feira, dia das crianças — enquanto muitas pessoas viajavam — o "rapa" fez intervenções no início da manhã, cerca de 9 horas, e retirou todos os pertences dos moradores, que saíram pela redondezas da Avenida Paulista procurando madeiras e objetos do lixo para fazer novos barracos. Na sexta-feira, dia 13, esse acontecimento se repetiu, mas dessa vez uma hora mais cedo. No sábado, novamente. E domingo, quando achavam que estavam livres da polícia — que já havia “tocado o terror” durante 3 dias seguidos — ela apareceu novamente e acordou alguns moradores, como Rafa — uma garota jovem, que faz poesias e ama futebol —, surpreendendo-os.
O local onde essas pessoas moram lhes trás aparatos suficientes para alimentarem seus vícios — lembre-se: vícios são doenças e são curados com assistência médica, eles não têm muita relação com “falta de vontade de parar” — e terem a mínima estrutura possível para sobreviver. Não é dever deles mudar de região, é dever do Estado lhes dar condições básicas de vida, começando pela segurança, que é tirada quando a polícia chega. Polícia essa que age fora dos termos da lei e que deu uma última dica para os moradores: as pessoas que frequentam o Instituto Moreira Salles (situado na Avenida Paulista), veem os moradores no túnel e denunciam, pois, para elas, a cidade fica feia. Para essas pessoas preconceituosas, Max deixou um recado simpático: “Mandaram recolher todas as barracas com a operação Rapa, dizem ser para a cidade limpa, cidade linda e cidade limpa, cidade sem morador de rua, isso nunca vai existir”.
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Foto por Marjorie Wartanian - Morador de rua vagando pela Avenida Paulista |
Os moradores de rua estão mostrando que existem e que são “gente como a gente”, ignorá-los não é a solução e tratá-los com violência é menos ainda. Eles têm família, história, sentimento e muito a ensinar, não são lixos humanos. Existem cerca de 16 mil pessoas morando na rua, em albergues ou abrigos, essa população cresce 4,1% mais do que a população da cidade de São Paulo, segundo uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE). Essa situação só tende a piorar com a crise vivida no país e é dever do Estado revertê-la. No entanto, tirar pessoas das ruas com violência não resolve o problema, apenas o mascara.
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