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Mais uma guerra esquecida na África

Por Carolina Avólio

Soldados da etnia nuer protegem civis enquanto caminham por área alagada. (Foto: Matthew Abbott)

Quando falamos sobre conflitos no continente africano, alguns países imediatamente vêm a nossa mente – Congo, Nigéria, Somália, Etiópia, Argélia, Uganda, entre outros. Mas um país passa abatido pela mídia: o Sudão do Sul, onde ocorre uma das mais sangrentas guerras já vistas em território africano, agravada pela fome e a miséria dominantes na região. 

Sudão do Sul, um panorama

O país mais novo do mundo (separou-se do Sudão em 2011) sempre foi marcado pela violência. Para entender a persistência dos conflitos, é necessário voltar à época da guerra civil contra o Sudão. Em 2005, foi assinado o Tratado de Naivasha, cessando os ataques dos sudaneses contra os separatistas, o primeiro grande passo rumo à independência. Num território desenhado pelas mãos imperialistas, várias regiões foram focos de conflitos étnicos e apenas dois grupos foram inclusos na nova fase política – e mesmo assim com divergências entre Salva Kiir e Riek Machar, líderes do Movimento Popular de Libertação do Sudão. 

Com a independência finalmente conquistada em 2011, Kiir foi eleito presidente e Machar, vice. No entanto, o plano político adotado deixou a desejar. “As políticas de desenvolvimento do Sudão do Sul, de sua independência até o início do conflito em dezembro de 2013, consistiram basicamente em dar dinheiro para as pessoas e permitir que as demais aproveitassem qualquer oportunidade para faturar, alimentando a corrupção. Isso fez o presidente ser desafiado por Machar e outros políticos que querem ter a chance de comandar”, analisa Nestor Kasfir, professor da Universidade de Dartmouth (EUA) e especialista em política sul-sudanesa. 

Diante do impasse, o presidente acusou Machar de “tramar um golpe de Estado” e o destituiu do cargo em julho de 2013, causando a faísca necessária para o incêndio começar. Além da questão política, a questão étnica também estava em jogo – o presidente pertence à etnia dinka, enquanto o ex-vice pertence à etnia nuer. As milícias se organizaram e no mesmo dia teve início um conflito armado na capital, Juba. 

Fome

O conflito impede a chegada de alimentos, afetando até mesmo as regiões que se encontram em paz. Além disso, o país passa por uma grave seca, o que fez com que as colheitas não fossem suficientes para alimentar a população. O pouco que foi colhido não consegue chegar à outuras áreas, já que a maioria das estradas está bloqueada devido aos confrontos. A ONU afirma que situação é de “insegurança alimentar grave”, visto que 4,6 milhões de pessoas (mais de um terço da população) estão passando fome e a UNICEF estima que 270 mil crianças estejam gravemente desnutridas. A tendência é que o cenário piore, pois as próximas colheitas estão previstas apenas para novembro.

Outro agravante é a situação econômica. O país, rico em petróleo, decidiu paralisar a produção do óleo, que realizava em conjunto com o Sudão, local que possuía a infraestrutura necessária, como oleodutos, refinarias e portos do Mar Vermelho. Desde que a commodity – que representava 98% da receita pública do país – foi abandonada, a crise generalizou. Não há emprego, a inflação atingiu os 800%, com 120 libras sudanesas valendo 1 dólar e portanto, o acesso à comida ficou ainda mais difícil.

Criança desnutrida recebendo atendimento no acampamento da organização Médicos Sem Fronteiras em Minkamman. (Foto: JM Lopez)

A maior crise de refugiados da África

"Nenhuma crise atual de refugiados me preocupa mais que a do Sudão do Sul", disse Valentin Tapsoba, diretor para a África do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Considerada a maior onda de refugiados da África e a terceira maior do mundo (perdendo apenas para a Síria e o Afeganistão), mais de 1,5 milhão de pessoas já fugiram do país, distribuindo-se entre Sudão, Etiópia, Quênia, Uganda, República Centro-Africana e República Democrática do Congo, sem contar 2,1 milhões de pessoas que estão deslocadas no próprio território, carecendo de proteção das Nações Unidas.

Infância perdida

Quase uma em cada cinco crianças foram forçadas a abandonar o país. Não é difícil entender o motivo, visto que elas são as principais vítimas dos ataques. Em maio de 2015, a Unicef denunciou o assassinato de 26 de crianças e o sequestro de dezenas de outras em ataques realizados por grupos armados. As formas de violência variam – assassinatos, estupros coletivos, degolas, castrações etc. Christopher Tidey, chefe de comunicação da UNICEF, contou que em um dos casos “uma menina foi morta porque os agressores não conseguiam decidir quem iria violá-la primeiro”. Testemunhas informaram à UNICEF que a execução de crianças tornou-se comum por ser considerada uma forma de impedir que as próximas gerações se vinguem no futuro. Os que são poupados têm como destino a incorporação forçada nas fileiras dos grupos armados — a ONU estima que existam cerca de 13 mil crianças-soldado combatem no Sudão do Sul. “Não há país”, resume Jhon Khamis ao New York Times, um dos muito sul-sudaneses que perderam a esperança num campo de refugiados.

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