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Nem tudo que reluz é ouro


 Por Enzo Kfouri


Para quem achava que o esquema de doping na Rússia era algo isolado e sem precedentes na história do esporte internacional, uma nova denúncia de fraude mostra que essa é uma prática muito mais comum do que se imagina. Em entrevista à rede de TV alemã ARD nesta terça-feira (24/10), a ex-médica da equipe olímpica chinesa, Xue Yinxian, agora asilada no país europeu com sua filha, expôs ao mundo um grande esquema de fraude do esporte de seu país de origem nas décadas de 80 e 90.

Yinxian, que fugiu da nação mais populosa do mundo há dois anos, afirmou que todas as medalhas conquistadas nesse período foram alcançadas através do uso de substâncias ilícitas e que mais de 10.000 atletas estariam envolvidos. A médica também falou que foi afastada da equipe de ginástica após se recusar a fornecer uma substância proibida para um ginasta durante Seul 1988 e chegou a ser monitorada por oficiais do governo, recebendo visitas deles e vendo viaturas sendo estacionadas do lado de fora de sua casa.



Yelena Isinbayeva, ex-saltadora com vara russa, impedida de disputar as olimpíadas de 2016 por causa do banimento do atletismo russo dos jogos. Fonte: Michael Steele/ Getty Images



A primeira aparição dos Chineses em Jogos Olímpicos foi em 1952, em Helsinque, Finlândia, quando enviou apenas um atleta e não faturou medalhas. A partir daí só voltou a participar do evento em 1984, nos jogos de Los Angeles, por causa do boicote da nação por competir sob o nome de “China” e não “República Popular da China”. Assim, 32 anos depois, o país encerraria sua segunda participação na competição com 15 ouros e o 4º lugar no quadro de medalhas.

Doa a quem doer, essa não é a primeira denúncia contra o esporte chinês, uma vez que, em 2012, Chen Zanghao, chefe médico da delegação em Los Angeles (1984), Seul (1988) e Londres (2012), alegou ao “The Sydney Morning Herald” que “cerca de 50” atletas chineses haviam tomado várias drogas proibidas durante seu mandato, algo quase que insignificante perto do depoimento de Yinxian.

Após o escândalo, a WADA (Agencia Mundial Antidoping), a mesma que revelou o esquema russo que culminou no banimento do atletismo russo no Rio de Janeiro, decidiu abrir uma investigação para apurar essas informações, o que abre um debate extenso sobre que rumo o esporte está tomando no mundo. Por que tantos casos de doping acobertados pelos governos? Por que não conseguimos detectar essas fraudes? Por que isso ocorre?

A médica Xue Yinxian, que nesta semana revelou em entrevista a rede alemã ARD o esquema de doping da China nas décadas de 80 e 90. Fonte: (Reprodução/ARD)


Uma possível teoria a respeito desse problema é a proporção que o esporte tomou, compondo o que sociólogos chamam de indústria cultural. Hoje temos eventos com custos bilionários que atraem grandes empresas e patrocinadores pela quantidade de gente que mobilizam. Muitas vezes essas companhias não ligam para as atividades esportivas e usam a audiência para atingirem resultados e para vender cada vez mais e mais produtos. Se aqui você acha que estou delirando, e ainda quer dar espaço a ingenuidade, pergunte-se qual o sentido de redes de fast-food patrocinarem as olimpíadas, por exemplo.

Por outro lado existe outro ponto: Será que o ser humano chegou ao seu ápice? Será que recordes somente serão quebrados ou novas marcas alcançadas com o uso de doping? Será que é biologicamente impossível abaixar o tempo em provas de ciclismo ou natação? Saltar mais alto com a vara ou mais longe no salto triplo?

O mundo se impressionou na Rio 2016 com a precisão de Simone Biles na ginástica artística e com a velocidade nas águas de Katie Ledecky (chegando a ficar quase meia piscina na frente das outras competidoras), mas e se descobríssemos que não passam de atletas dopadas?  Essa seria uma grande perda ao esporte mundial e por isso é melhor acreditarmos no talento e no preparo físico de cada competidor e pensar que é sim possível.


Final da prova dos 800m de natação feminina nas últimas olimpíadas em que Ledecky fica quase meia piscina na frente e bate o recorde olímpico. Fonte: Brooke Buchanan/ Sports Illustrated

É preferível pensar que essa onda de denúncias de caso de doping seja passageira, para que continuemos a nos maravilhar com as atuações de grandes atletas mundo afora. É melhor acreditar que os trapaceiros vão pagar pelo preço de seus delitos e que as modalidades estão se tornando mais limpas a cada dia, mas não podemos excluir a possibilidade de tudo não se tratar de uma mera ilusão, afinal, como já diz aquele velho ditado: nem tudo que reluz é ouro...

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