O papel dos zoológicos no século XXI
31 de outubro de 2017
Por Marina Monari
Hoje em dia, esse tipo de turismo na Amazônia representa 1% do PIB.
Fontes: Câmara Municipal de São Paulo, Zoológico de Buenos Aires - O Globo, Selfie Safáris - Catraca Livre, Zoológico da Coreia do Norte - Diário de Pernambuco
![]() |
Still do vídeo postado pelo verador Reginaldo Tripoli (PV) |
Brasil
No começo de outubro desse ano, a Câmara Municipal de São Paulo recebeu um debate sobre o futuro dos zoológicos, que acabou com a maioria dos ali presentes defendendo que as estruturações desses lugares não são as esperadas para a prática de conservação de espécies. Das principais críticas, a ressignificação dos zoológicos, bem como o repúdio à utilização de animais como forma de puro entretenimento e suas qualidades de vida foram as mais discutidas.
![]() |
Foto: Reprodução/Google |
Um dos participantes do debate foi o coordenador de operações de fiscalização do Ibama, Roberto Cabral Borges, que declarou: “Nós já temos tecnologia para mudar isso. Para mostrar os animais de uma forma diferente e a gente quer caminhar para esse lado”, disse. “Você pode ter o entretenimento sem manter os animais em cativeiro. E os animais que necessitarem estar cativos, que estejam por um motivo mais nobre que é a conservação”.
O vereador Reginaldo Tripoli (PV) baseou sua fala nas condições em que os animais vivem, as quais é possível observar que nenhum deles exibe comportamentos reais correspondentes aos de suas espécies, ursos e leões não vivem apenas dormindo e comendo em seus habitats naturais; para ele a ideia não é acabar com essas instituições, mas sim reformula-las de forma que se proíbam as visitas, ou seja, o contato com o humano. E ainda postou em seu perfil no Facebook um vídeo sobre a história dos zoológicos.
Outra presença importante foi a do secretário do Verde e Meio Ambiente, Fernando Von Zuben, que concorda com as proposições de reformulação do vereador e ainda diz que é preciso criar uma legislação que impeça a abertura de novos zoológicos no Brasil: “Os que conseguem se manter e tratar os animais de uma forma mais digna devem continuar, obviamente. Entretanto, os que não têm condições de funcionar teriam de ser transformados em santuários", disse.
Sugerindo uma outra visão sobre o assunto, o presidente da Fundação Zoológico de São Paulo, Paulo Magalhães Bressan, trouxe para o debate a triste realidade de que as bilheterias dos zoológicos são o que custeiam as pesquisas feitas para a preservação de espécies e geram condições financeiras para suas conservações. “É uma proposta que demanda solução. E isso também é o que faz diferença nessa discussão. Se a gente tiver essas soluções, eu acredito que a outra questão é como você vai convencer a sociedade que um zoológico como o de São Paulo, com 60 anos de vida e mais de 80 milhões de visitantes [precisa fechar]. É preciso saber o que ela [a sociedade] acha disso”, e ainda chamou a responsabilidade para a sociedade.
Breve histórico
Somente no século XVIII os zoológicos foram considerados lugares de preservação de espécies, antes disso, as coleções de animais eram apenas para exibição de poder de reis e diplomatas. Já no século seguinte, foram criados zoológicos humanos, onde se expunham, na Europa, pessoas do continente Africano. O século XIX foi marcado pela criação do primeiro zoológico no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente em 1888. Mas apenas em 1983 foi criada uma legislação para a regulamentação desses lugares, a lei 7.173:
"Art 1° - Considera-se jardim zoológico qualquer coleção de animais silvestres mantidos vivos em cativeiro ou semiliberdade e expostos à visitação pública."
109 zoológicos depois, a lei ainda é a mesma.
Algumas problemáticas no Brasil
Os problemas começam na origem dos animais que vão para os zoológicos, muitas vezes são capturados ilegalmente e são vítimas de tráfico ilegal, que corresponde hoje ao terceiro mais lucrativo no Brasil, perdendo apenas para o de drogas e o de armas. Ele consiste na retirada de bichos de seu habitat natural para serem comercializados, mas 90% deles não sobrevive até o destino final, uma vez que sofrem tremendo estresse ao serem retirados de seu ambiente, além de serem transportados extremamente dopados e em condições atrozes, como dentro de tubos de PVC ou meias de nylon.
Outro problema mais recente são os "Selfie safáris", que consistem em pessoas que pagam para segurar animais simplesmente para terem uma foto bonita. Os casos mais escandalosos são de cidades na Amazônia e no município de Puerto Alegría, no Peru. Nesses lugares, foram flagrados, pela Organização Mundial de Proteção Animal, os maus tratos de animais silvestres como araras (cutucadas pelos "tratadores" para que os turistas ouvissem seus gritos), crocodilos (que eram mantidos em refrigerados quebrados e com pulseiras de silicone ao redor da mandíbula) e botos (provavelmente, mantidos sem comida para que quando os turistas chegassem para alimentá-los, se amontoassem para as fotos).
![]() |
Foto: Leo Albuquerque/ICMBio. Turista observa boto vermelho em Anavilhanas, no Amazonas |
![]() | ||
Foto: Reprodução/NetGeo. |
Hoje em dia, esse tipo de turismo na Amazônia representa 1% do PIB.
Alguns casos no mundo
Em zoológico na Coreia do Norte, a principal frase que se vê nesse tipo de ambiente "não alimente os animais" está sendo ignorada categoricamente, lá os visitantes podem alimentar todos os animais com qualquer tipo de comida que quiserem, inclusive as que ainda estão embaladas em plástico. Em vídeo flagrante feito pelo Correio Brasiliense, o repórter grava um visitante dando algum tipo de pururuca para ursos, que se amontoam e ficam de pé perto do mezanino onde o homem se encontra, parecendo implorar por mais comida, o que pode significar que uma alimentação por parte do zoológico está sendo-lhes negligenciada. Como se já não fosse o suficiente, é possível sentar em algumas espécies de animais, como em jabutis.
Depois de 150 anos, o zoológico de Buenos Aires foi fechado pela prefeitura. Segundo o prefeito, Horácio Rodríguez Larreta, é um lugar em que há 140 anos os animais vivem em péssimas condições. Um dos exemplos desses maus tratos, foram os ursos polares, que morreram devido ao verão rigoroso da Argentina. Dos 1500 animais ali presentes, 1450 serão levados a santuários (lugares sem fins lucrativos, que tem como premissa a reabilitação e reinserção dos animais em ambiente selvagem), os 50 restantes estão em tais condições que não sobreviveriam o transporte, como a Orangotango Sandra.
![]() |
Foto: Natacha Pisarenko / AP |
Outro caso, foi um crocodilo morto no zoológico de Túnis, capital da Túnisia, por visitantes que atiraram pedras em sua cabeça, lhe causando um aneurisma e morte imediata. Segundo nota da instituição, há guardas no local responsáveis pela segurança dos cativeiros, no entanto não o suficiente para que possam vigiar todos 100% do tempo, o que causa esse tipo de atrocidade e mais algumas como deixar lixo no chão (que pode ser carregado pelo vento para algum cativeiro) e outros casos de lançamentos de pedras em leões e hipopótamos.
Os zoológicos como reflexo da sociedade
Poder! Desde as primeiras coleções de animais, o comportamento dos reis e generais ao enclausurarem os bichos ou darem-nos de presente era pura e simplesmente para a exibição de poder que tinham; afinal, quem vai se meter com um monarca que possui rinocerontes em armaduras? Após isso, com os zoológicos humanos, a intenção era mostrar a superioridade branca em detrimento dos escravos africanos negros ou nativos índios.
Por que, atualmente mas nem tanto assim, as pessoas treinam animais para desenhar, fumar ou resolver problemas de matemática? Não dá para afirmar que fazem isso simplesmente para saber qual a capacidade motora e neurológica das espécies, afinal eles são treinados para parecerem cada vez mais com humanos, mas com humanos enjaulados.
Jaula, outro problema. Nunca se ouve essa palavra quando caracterizam os ambientes em que os animais são mantidos, não são mostradas as grades, nas visitas ao backstage dos zoológicos não são permitidas câmeras fotográficas ou de filmagem. Mas há relatos de quem já visitou, relatos de que macacos não recebem comida nas 8h, oito horas!, que ficam em exibição, para que voltem com facilidade ao verem alimento em suas jaulas e fiquem enjaulados por 16h, dezesseis horas!
Muitas das pesquisas são financiadas pelos bichinhos fofinhos ou exóticos, como os tigres, que enchem todos os dias os zoológicos gerando lucro nas bilheterias. Convenhamos, quem iria querer ver um zoológico cheio de sapos ou grilos? Espécies que também sofrem com o perigo de extinção. Não está na hora de lutar por todos eles?
Como então resolver um problema que sempre refletiu a sociedade e sua extrema necessidade por poder em cima daqueles que não tem como se defender das armas de fogo ou tranquilizantes?
Não consigo dizer que os santuários são a salvação, ou até mesmo que todos os zoológicos são vilões, nós nunca saberemos o que realmente acontece por trás das grades. Mas nós podemos educar e conscientizar, para que o futuro seja menos de poderio sobre os animais e mais de ajuda aos bichos que são indefesos a toda tecnologia humana. Nós podemos ser críticos e demandar respostas para todas essas questões, uma vez que muitos dos zoológicos hoje em dia são de iniciativas governamentais. E acima de tudo, refletir qual o papel do zoológico no século XXI, não é mais possível que pessoas lucrem em cima de animais enjaulados.
Então, qual o nosso papel no século XXI?
Fontes: Câmara Municipal de São Paulo, Zoológico de Buenos Aires - O Globo, Selfie Safáris - Catraca Livre, Zoológico da Coreia do Norte - Diário de Pernambuco