Queermuseu: quando o poder define a cultura
É preocupante quando a arte, um espaço no qual deveria ser permitido tratar de todos os temas, acaba por ser subjugada pela vontade de uma classe social com mais poder - que ganha ainda mais força quando tem sua ideologia aderida por parte da população.
A exposição Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, exibida no Santander Cultural em Porto Alegre (RS), tinha seu fim programado somente para outubro, sendo porém encerrada antecipadamente graças à repressão pública de grupos que condenavam algumas das obras, uma vez que, de acordo com eles, havia o incentivo de práticas como pedofilia e zoofilia. O principal problema, entretanto, foi a falta de informação sobre o contexto das obras, que na realidade abordavam questões de gênero e preconceito. Outro problema foi a divulgação de informações falsas, havendo repúdio contra obras que nem mesmo faziam parte do catálogo da exposição.
Porém, mais importante do que a censura em si é a opressão que ela representa. Cancelar uma exposição com quadros tão impactantes e controversos antes da data oficial só reforça o cenário de como a importância dada às relações de poder é muito mais valorizada do que a importância dada à concepção de arte. A primeira está fortemente atrelada ao capital social, que tem a força para reprimir e espera manter-se nessa condição, enquanto o segundo faz parte do capital cultural, pouco valorizado pela esmagadora maioria da população brasileira. O acontecimento como um todo é um importante exemplo de como a “classe dominante” no Brasil ainda tem força o suficiente para decidir aquilo que pode ou não ser apresentado e discutido. No fim das contas, as classes média e baixa brasileiras ficam a mercê das idéias e ferramentas utilizadas pelos detentores da maior influência.
Em nota, o banco Santander afirmou que o principal objetivo da exposição era “incentivar as artes e promover o debate sobre as grandes questões do mundo contemporâneo, e não gerar qualquer tipo de desrespeito e discórdia”, infelizmente, o capital relacionado às classes sociais teve maior peso, uma vez que a publicidade gerada pelo repúdio às obras expostas seria negativo para uma instituição como o banco Santander. É ingenuidade pensar que o poder econômico não tem forças o suficiente para propagar ideologias e tomar decisões muito mais relevantes do que uma exposição de arte. O encerramento da mostra tem um impacto muito maior sobre a emancipação do povo, sendo assim um lembrete de quem, no final das contas, ainda manda.
A censura disfarçada de boicote foi iniciada pelo MBL (Movimento Brasil Livre), que pautou sua legitimação em alegações de apologia à pedofilia e zoofilia. No momento em que as proporções foram elevadas a potências que nunca se havia imaginado antes, dois promotores foram analisar as obras pessoalmente no dia seguinte ao cancelamento da exposição. "Fomos examinar in loco, ver realmente quais obras que teriam conteúdo de pedofilia. Verificamos as obras e não há pedofilia. O que existe são algumas imagens que podem caracterizar cenas de sexo explícito. Do ponto de vista criminal, não vi nada", disse Julio Almeida, promotor da Infância e da Juventude de Porto Alegre. Sendo assim, o problema seria facilmente resolvido com uma classificação etária ou uma parte reservada para essas cenas mais eróticas.
Das obras criticadas, duas artistas tiveram mais destaque. A primeira foi Adriana Varejão, com Cena de Interior II, feita em 1994, que depois de 23 anos retrata realidades atuais.
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ADRIANA VAREJÃO: Cena de interior II, 1994 |
Sim, a zoofilia existe. Pasme! É vendida em qualquer site de pornografia. Então a principal pergunta é: qual é o verdadeiro problema dessa obra? O que leva a outros três questionamentos: é o fato de ela dar luz àquilo que se faz às escondidas? É o incômodo visual? Ou seria a existência da zoofilia? Sinceramente, se a resposta for qualquer uma menos a terceira opção, temos um problema. A artista fez o seu papel de denúncia e o nosso é fazer com que isso pare; mas como? Não dar dinheiro ou visibilidade positiva para a indústria pornográfica é um dos meios.
A segunda artista foi Bia Leite, expôs sua arte criada a partir de uma compilação de imagens que recebeu em seu tumblr (que voltou à ativa depois dos acontecimentos - www.criancaviada.tumblr.com). Sua inspiração veio de fotos tiradas na infância dos internautas que as mandavam para o site, sempre com legendas e respeitando o direito de imagem.
A partir disso, Bia foi corajosa o suficiente pra tratar do tabu que é a homossexualidade na infância. Hoje em dia, sabemos que a sexualidade não é uma opção, mas uma orientação que vem à tona em momentos diferentes para cada pessoa, para algumas, quando ainda crianças. Além de todos os desafios que são enfrentados nos primeiros anos de idade, principalmente na escola com o famigerado bullying, essas crianças simplesmente são homossexuais, em momento algum questionam sobre sexo ou promiscuidade, muito menos aprenderam isso em algum lugar (argumentos muito fortes para justificar o repúdio aos gays por parte dos conservadores). A abordagem da discussão de maneira mais bem humorada por parte da artista tornou tudo mais natural, o que incomoda aqueles que insistem em pensar “opção sexual” e veem necessidade em condenar o que chamam de “prática”.
Queer: pessoa que não se identifica com o padrão de sexualidade e binarismo de gênero. Termo utilizado para representar a comunidade LGBT.
Queer: pessoa que não se identifica com o padrão de sexualidade e binarismo de gênero. Termo utilizado para representar a comunidade LGBT.
Censura: forma de restrição da liberdade e do conhecimento, normalmente exercida por um regime ditatorial.
Junta-se essas palavras e elas tentam derrubar uma parte da população que luta incessantemente pela busca de uma sociedade mais igualitária. Mas apenas tentam. Foi criado, então, um abaixo-assinado para a reabertura do Queermuseu.
Junta-se essas palavras e elas tentam derrubar uma parte da população que luta incessantemente pela busca de uma sociedade mais igualitária. Mas apenas tentam. Foi criado, então, um abaixo-assinado para a reabertura do Queermuseu.
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