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As crianças da Cracolândia: os frutos de uma realidade obscura

Por Amanda Leite

Amanda Leite/O Articulista

Em uma alameda dos Campos Elíseos se encontra o Centro Promocional Dino Bueno. Discreto, com suas paredes rosas, uma pequena placa indica o nome da instituição que é mantida pela rede de escolas particulares filantrópicas Colégios Vicentinos. O local recebe, diariamente, mais de 300 crianças das redondezas.

“Primeiramente, nós não as chamamos de crianças carentes,” explica Elaine Cristina, professora do Sistema Vicentino, “nós as chamamos de crianças vulneráveis.” O termo vulnerabilidade social surgiu há pouco tempo entre os estudiosos e é associado “à ideia de risco frente ao desemprego, à precariedade do trabalho, à pobreza, à falta de proteção social ou acesso aos serviços públicos, e à fragilidade dos vínculos familiares e sociais”, segundo Izabel Cronemberger e Solange Teixeira, professoras da Faculdade Santo Agostinho e UFPI, respectivamente.

Yasmin e Luiz, ambos com 5 anos. Ela quer ser médica e ele, dentista. Depois mudou de ideia: Luiz prefere ser pedreiro. Amanda Leite/O Articulista.

As crianças frequentam o Dino Bueno com uniformes garantidos por doação, idênticos aos dos alunos das escolas particulares vicentinas. O centro proporciona aulas e atividades adequadas para cada faixa etária (entre 1 e 6 anos) em período integral, em casos onde a criança se adapta à rotina. “É muito importante essa ligação, não só das escolas sociais [mas também das privadas], com os alunos e sua situação, para podermos ajudá-los ao máximo”, relata Danielle, assistente social da rede.

Entre as crianças há um padrão muitas vezes repetido. Nenhuma delas têm, em suas casas, uma renda per capita maior que um salário mínimo e meio e, em grande parte, chega a ser bem menos do que isso. É alto, também, o número de crianças que moram apenas com a mãe ou com outros parentes - uma delas relatou que mora com sete pessoas na mesma casa.

Luiza, 4, nunca tinha visto uma câmera antes. Mora com sua mãe e seus irmãos, mas sem o pai. Quando crescer, quer ser cantora. Fonte:Amanda Leite/O Articulista.

Muitas das crianças, já tão inseridas num contexto cruel como aquele, tratam de assuntos complexos com naturalidade e maturidade, de certa forma, estranhável. Emily, de quatro anos, durante uma conversa com a repórter, contou: “Eu moro com minha mãe e meus irmãos, mas o meu pai morreu, sabe?”. A conversa continuou sem qualquer vestígio de instabilidade. Logo em seguida adicionou, com ajuda de sua amiga, Bianca: “Tia, nós vamos ser a Elsa e a Anna [do desenho Frozen ]”. As duas se entusiasmaram e o assunto não foi retomado.

No Dino Bueno, é oferecida toda alimentação necessária para que as crianças passem o dia realizando atividades. O almoço começa a ser servido, para os menores, por volta das 11 horas da manhã e segue durante o período. Todas as crianças são estimuladas a comerem sozinhas, ajudando na coordenação motora e na independência.

Para participar do programa, é necessário se encaixar em todos os quesitos, estipulados pelo governo. Janice, a orientadora responsável pelo centro, conta como muitos tentam falsificar documentos para conseguir uma vaga. “Eles tentam, mas nós checamos com a Receita Federal. Queremos ajudar quem realmente necessita, por isso, tentamos ao máximo fugir dessas inconveniências”.

Irmã Rosita no Centro de Convivência São Vicente. Fonte: Amanda Leite/O Articulista.

A irmã Rosita, com 91 anos, é responsável pela escola e pelo Centro de Convivência São Vicente, também mantido pelos Colégios Vicentinos, que acolhe moradores em situação de rua. Com os olhos marejados, ela narra a luta diária: “As pessoas me perguntam ‘de onde vem toda essa força, irmã?’, e eu digo: vem Dele! E, se Deus quiser, vai dar tudo certo!”. Recentemente, o governo federal vem tentando derrubar projetos de escolas filantrópicas, mas as mulheres que trabalham lá garantem: o Dino continua de pé.

Além dos dois centros mencionados, os Colégios Vicentinos ainda apoiam mais seis obras sociais, direcionadas a crianças, adultos e idosos em situação de vulnerabilidade.

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