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CRÔNICA: No meio do caminho havia um ciúme

Por Matheus Lopes

Arte: Felipe Guga - @ofelipeguga (Divulgação)
Para: Giovana Proença*
      De antemão, digo: os taurinos vão se identificar. Spoiler: “o que os olhos não veem, o coração não sente”. Mas a mente imagina, palpita, joga hipóteses para lá de suspeitas ao que concerne o mau: “demônio de olhos verdes”. Negamos e desnegamos – para não machucar, afinal, o taurino é dono de um vasto coração. Contudo, se a pulga atrás da orelha continua na vigília alucinada, sem exceção, damos um pulo atrás de pistas. Com ou sem extremismos. Vai do sujeito. Aliás, Shakespeare era taurino...
      Meio copo de cólera cismamos encontrar. Quem há de contrariar um taurino cheio de razão? Já passo o gabarito: todo mundo. Esbofeteando os fragmentos de uma possível razão e a outra metade vazia do copo – pode ser só água mole, afinal -, já achamos um Cássio qualquer para Geni da história – nos maus sentidos. Afinal, o quão OteloS nós somos com bobeiras ordinárias. Somos sabidos e dotados de uma devoção guerreira e heroica, e, como bom erro humano, exagerados, certas vezes até ingênuos...
      Quem nunca atirou um cascalho inocente, que atire a primeira pedra! Porém, tenha cautela: “A vingança é uma pedra que se volta contra quem atira”. A pedra pode ricochetear. Seja menos Otelo, não taque pedras, caro cidadão taurino ou não; dê flores ao seu amor, urtiga ao ciúme. Sanará qualquer dúvida sobre o fragmento enciumático. Mas ainda existem os IagoS, porca miséria!
      Terça-feira terminei a tragédia “Otelo”, quem já leu, ótimo, quem não teve essa sorte ainda: leia – principalmente se você for um taurino mais ortodoxo. A tragédia da peça é um estopim das “lutas do coração”. Naquele campo o Mouro guerreiro perdeu a batalha para si próprio. Ao escutar seu secreto algoz, Iago. As aparências enganam, caros leitores, é aquela velha história que as mamis e vovis contam, como um prelúdio roteirístico para a vida adulta, o seguinte: “cuidado com Beltrano, se ele fala mal de Fulano para você, pode apostar que você também vai estar na berlinda”. O ditado familiar é regra. Quem nunca, que atire a primeira pedra, novamente, insisto no ditado geológico-pedagógico familiar. Pay attention.
      No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. Tinha uma pedra. No meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento, na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho tinha uma pedra. Caro Drummond, antes que eu ouse metaforizar da vida com sua deixa, peço perdão pelo compacto de seus versos. Se, como diz a internet, existem dois tipos de pessoa. Então há duas alternativas para essa “pedra”. Primeira: chute-a – esses são as mais evoluídas, dotadas de inteligência antropológica da vida mundana, com alta autoestima, sorriso colgate, e adeptos dos versos de Luka (2003) (Tô nem ai, larari, larara). Segundo: escreva um poema sobre a pedra, pense na pedra, repense, se angustie, saboreie o fel da sopa de pedras da vida; atire sem dó, tire leite de pedras, caro Sherlock.  
      Mas... os poetas abstraem e versam. Os filósofos abstraem e refletem sobre a pedra. Os espiritualizados acreditam que isso é uma situação para o crescimento interior – está aí uma boa discussão, caros -, e a maioria dos transeuntes dão nome à pedra. “Pedra filha da puta”. Geralmente chegam ao Cássio – erroneamente – ou ao Iago – astutamente - da vez. Embora seja uma cena repetida desde a Idade da Pedra, cismamos em continuar na pedreira do sofrimento eterno em busca de um suposto Miguel Cássio inocente.
      Só os poetas, dotados da sensibilidade trovadoresca e verseira, conseguem transmutar uma pedrada da vida, fundindo-a com uma espécie de midas de ouro, em uma pedra filosofal eternizada como o poema de Drummond. Embora os muitos IagoS existam de prontidão para envenenar a cachola do Mouro cidadão, nesta tragédia, vale apurar o senso crítico do amor, da amizade e etc., convertendo a pedra em uma lição de crescimento para a pedagogia-geológica dos vossos sentimentos.
      O mais guerreiro se prostra por esclarecimentos prévios à Desdêmona (a vítima de tudo, a inocência que não entende necas de pitibiribas do rolo). Conversa, conversa, conversa. Já resolveria 90% dos casos. Confia não somente nela, mas no coração. O amor destrói tudo isso, se o coração não for de pedra. Xô OteloS ortodoxos. A pedra, ou o Iago, ou o ciúme, no meio do caminho, é a peça mais encenada hoje, quando tantos e tantos mal-entendidos, por bobeira, acabam se convertendo a uma tragédia shakespeariana. Quantos e quantos casos, fantásticos, literários ou reais, mal apurados ou, pior, por um orgulho falso e fanático, não se desenrolam bem e vão dar corpo às pedradas levadas pelas donas de casa, por exemplo.
      Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Novamente, a pedra marca presença no provérbio. Já parto em defesa dos Taurinos, somos água mole! Basta sentir, ter alteridade. Ademais, nessa crônica com vastas citações, caros leitores, com muito otimismo e oportunidade, mesmo não elevados aos níveis ficcionais dos IagoS, CassioS, OteloS e DesdêmonaS, saiba ser, de forma inteligível, a água mole da parábola que te encaixa.
      Bata, mas bata até o coração de pedra ceder à pressão. Amigo que é amigo persiste, amor que é amor não cai. Ainda temos esperança nessas narrativas pedregulhosas. Não negue uma boa investigação, com água mole e esmero, seja conclusivo como Emília, não desista do rochedo. Lapide o diamante, mesmo no carvão. Caro leitor, amoleça como água, enquanto eu tentarei regar o otimismo sob pedra sobre pedra.  

*Que entende de Taurinos, Shakespeare e não dispensa um bom café filosofado pela existência. 

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