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CRÔNICA: O que toca o seu coração?

Por Matheus Lopes 

Arte: Felipe Guga - @ofelipeguga (Divulgação)

       Certo dia estava com um gosto amargo na boca. Um aperto no coração, minha cabeça doía e eu ficava zanzando por essa mesma cabeça à procura de algum sinal que, porventura, a vida me desse sem querer. O gosto de fel não passava. Nisso já era noite, e eu fui atiçar a vitrola do século XXI e dar um Google na minha estante de livros.
       Ao pegar alguns títulos, que já estavam se surrando pela constante consulta, eu começava a sintonizar na estação dos que amaram demais. Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, pelo heterônimo de Álvaro de Campos – no caso deste autor referenciado-, Rachel de Queiroz, Pablo Neruda, e mais alguns cronistas, poetas, e escritores em geral. Eram tantas coisas bonitas, como:

Não se deve xingar a vida,
A gente vive, depois esquece.
Só o amor volta para brigar,
Para perdoar,
Amor cachorro bandido trem.
Mas, se não fosse ele, também que graça a vida tinha”       
 Carlos Drummond de Andrade

       Nesse momento meu coração sintonizou definitivamente, por um sábio gesto, na estação dos poetas. Quem dera eu um dia ser poeta, contudo, reconheço que é um dom muito “mais grande” do que os meus croniquismos. Reconheço e prefiro ficar aqui no mundo terreno. Vou ouvir, ler, compartilhar, fazer croquis; no mais, arriscar de vez em quando. A angústia de poeta é idem, porém, poeta não serei. Não tardando justificativa para a vocação, não deixarei de apreciar um bom licor poético. Uma garrafa por dia. Em pequenas doses, de cinco em cinco minutos, na veia.
       Todos estes fragmentos de poesia, em diversos momentos, acalentam a mente na hora do gélido sopro que a vida dá, como uma frente fria marítima que nos obriga a tirar do armário um sobretudo. Sobre tudo – da vida –, na hora do frio, precisamos nos agasalhar. Pegamos um velho casaco, vermelho de lã, pela alcunha de um Pablo Neruda, para nos aquecer na sarjeta, no sereno do começo da manhã, quando precisamos de uma calefação para a alma: “[...] Tuas raízes atravessaram o meu peito [...] falaram pela minha boca, floresceram comigo. ”

       Se não fosse o florescer do amor, enraizado pelo peito, desabrochado pela fala; entrelaçado nos ramos de duas mudas serrando, nos segredos proibidos do jardim do Éden, que graça a vida tinha? A máxima desse começo de primavera eu já tive, desde a outra primavera, pela frase: “Cada um viveu tanto, quanto amou”, de Tolstói. É, caro jardineiro Tolstói: cada um viveu tanto quanto sentiu o amor, pelos seus cheiros de flor, pela beleza das sépalas, pelos grossos caules profundos que fincaram no chão dos nossos peitos. Cada um viveu tanto, quanto floresceu. 

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