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Síndrome de Down: o mais importante é a aceitação

Por Marjorie Wartanian


“Meu filho estava no parque e foi vítima de preconceito por parte de crianças entre 6 e 7 anos. Essas crianças o chamaram de doido, maluco e retardado, humilhando meu filho e constrangendo o irmão do Fernando. Tudo isso com consentimento das mães, visto que as mesmas estavam presentes, viram o que estava acontecendo e não fizeram nada.”, esse é um parágrafo da carta entregue por Rita Iglesias Souza Marques para a síndica de seu prédio com o pedido de que alguma medida de conscientização e a exposição da carta acontecessem. Seu filho Fernando, de oito anos, tem Síndrome de Down e por isso foi discriminado pelas outras crianças. O menino tem um irmão dois anos mais novo, o Gustavo, que não nasceu com a condição genética e os dois se dão super bem. 

Fernando e Gustavo brincando no condomínio - Foto tirada por Rita 

Depois de ter seu pedido negado pela síndica, que negligenciou sua causa, Rita colou papéis com o texto cujo parágrafo acima faz parte em todas as áreas de aviso do condomínio e eles foram retirados pela síndica. Por isso, ela desabafou no Facebook e por lá foi ouvida. Seu desabafo foi compartilhado mais de 4 mil vezes e grandes veículos midiáticos como o G1 entraram em contato. Só após receber uma ligação de uma repórter a síndica se pronunciou a favor de Rita e Fernando.

“A dificuldade é a sociedade, o preconceito ainda está aí, ele é disfarçado, mas ainda é intenso.” (Rita Iglesias)

“Eu teria dez filhos com Síndrome de Down”, afirma Rita hoje em dia, mas nem sempre foi assim. Como milhões de pessoas, antes de descobrir a condição genética de Fernando a mãe não possuía muitas informações e conhecimento sobre o assunto e a imagem que tinha sobre o os portadores de down era de um ser humano fora da sociedade e com saúde muito baixa, e é essa a visão da maioria da sociedade, que não é induzida a entender e a conviver com essas pessoas. Se, como no caso de Fernando, as crianças discriminam é porque não foram ensinadas a conviver, as escolas não estão preparadas para lidar com uma criança diferente das sem deficiência; isso gera custos para elas e não é financeiramente interessante. Assim, as crianças não convivem e não tem muitas informações sobre o amiguinho da classe que tem a síndrome.

A falta de informação e a ignorância contribuem intensamente para o preconceito, uma vez que as pessoas não têm conhecimento sobre as diferenças do outro e o que as causou. Algo muito comum é a associação da síndrome de down à uma doença, o que é errado -- a síndrome não é patologia, não “faz mal à saúde”; é uma condição genética, ou seja, está ligada aos cromossomos das células.

Mas o que é a Síndrome de Down? 

A trissomia no cromossomo 21, mais conhecida como Síndrome de Down, é uma condição genética que acomete cerca de 270 mil brasileiros (está presente em uma em cada 700  pessoas nascidas no país) e se expressa de diferentes formas. As pessoas com a trissomia tem algumas características físicas semelhantes entre si e mais incidência de doenças. Além dos problemas que já enfrentam por conta da síndrome, essas pessoas ainda sofrem muito preconceito na sociedade. 

Primeiramente descrita por John Langdon Down e comprovada por Jérôme Lejeune, a síndrome de down é causada por um cromossomo 21 a mais. A maior parte da sociedade tem 23 pares de cromossomos em suas células, assim são 46 (44 são chamados de reguladores e 2 são os cromossomos sexuais), 23 vindos da mãe e 23 do pai. Nas pessoas com a síndrome, os cromossomos 21 não formam um par, mas um trio, assim a maioria ou todas as células dessas pessoas possuem 47 cromossomos. Não se sabe ao certo porque isso acontece, mas ou o pai ou a mãe possui 24 cromossomos em seu gameta (óvulo ou espermatozoide).

Trissomia no cromossomo 21

Diferentemente de má formação, que pode acontecer por conta de ingestão de substâncias indevidas durante a gestação, a síndrome de down não está ligada com o comportamento dos pais nesse período e pode acontecer com qualquer pessoa durante a formação. Pesquisas mostram que mulheres que engravidam após os 35 anos têm mais chances de ter filhos com a síndrome, mas isso não é regra.

Diferenças

As pessoas que têm a trissomia possuem algumas diferenças em relação à maioria da sociedade e essas diferenças podem ser prejudiciais à saúde ou não. Há características físicas que diferenciam-nas, como a boca pequena, dedos um pouco separados e curtos, mãos largas, olhos puxados, ponte nasal baixa, deficiência intelectual, entre outras. Certas características podem causar problemas, como a hipotonia muscular, que consiste na diminuição do tônus muscular e da força e, consequentemente, o aumento da flacidez dos músculos, o que explica a dificuldade de falar de algumas crianças -- o controle da língua não é plenamente exercido, uma vez que ela  também é um músculo. A hipotonia é um fator que deixa essas pessoas mais suscetíveis a contrair doenças, assim, sua imunidade tende a ser mais baixa.

A estimulação é essencial desde os primeiros meses de vida. A partir dela as crianças conseguem se desenvolver mais rápido e usar cada vez mais sua capacidade intelectual, que quando estimulada pode chegar à aproximadamente 70% da capacidade de uma pessoa sem deficiência. Por isso estímulos físicos, em casa e com fisioterapeutas e fonoaudiólogos, são essenciais para o desenvolvimento físico e intelectual da pessoa. 

No Brasil há um médico especializado em crianças com síndrome de down. Seu nome é Zan Mustacchi, filho de egípcios e nascido em Israel, ele dedica sua vida à essas pessoas desde que perdeu um paciente com a síndrome por negligência de um hospital, que por preconceito não quis internar o paciente em questão. Após esse episódio, Zan se especializou na trissomia e já ganhou diversos prêmios como um da Down Syndrome International dos Estados Unidos. Diretor clínico do Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas (CEPEC), Zan é procurado por pacientes de todo o mundo. O também geneticista defende o máximo de autonomia possível e quebra mitos acerca da condição genética, como o de que essas pessoas não conseguem aprender. 

“Elas aprendem muito bem, mas têm grandes dificuldades em esquecer o que aprendem. Costumo dizer que aprendem e não desaprendem.” (Dr. Zan Mustacchi)

Formas 

A trissomia no cromossomo 21 pode acontecer de três formas. A primeira e mais comum é chamada de trissomia simples (ou livre): ela acontece em 95% dos casos, nela o óvulo da mãe ou o espermatozoide do pai possui um cromossomo 21 a mais, porque na divisão celular os dois não se dividiram e ficaram em uma das células; isso é chamado de “não-separação”.

A segunda forma é a translocação e acontece 3,5% das vezes e nesse caso a pessoa tem o par de cromossomos 21 e um pedaço considerável de outro cromossomo 21 que fica colado e em outro par (geralmente o 14). Isso acontece porque o pai ou a mãe tem um cromossomo 21 inteiro e mais um pedaço em sua célula.

A terceira forma de trissomia é a menos encontrada (1,5% dos casos) e é chamada de mosaicismo. Nela o pai e a mãe possuem 23 cromossomos em seus gametas (óvulo e espermatozoide) que se encontram e começam a se duplicar e dividir. Durante essa divisão acontece a “não-separação” e todas as células ficam com 47 cromossomos, expressando a síndrome de down.

A aceitação

É necessário lembrar que mesmo com características físicas parecidas as pessoas com a condição genética não são todas iguais e também não se encaixam nos estereótipos criados pela sociedade; eles reforçam o preconceito que ainda é persistente, mas é mascarado em forma de pena, dó ou cuidado e está presente na rotina dessas pessoas. Quando a descoberta da síndrome acontece durante a gestação o tempo de preparo para receber a criança e a boa aceitação da família são maiores, porém a sociedade ainda olha para o down com receio e insegurança. Isso se agrava quando a síndrome é descoberta após o nascimento da criança. A família é surpreendida, o que pode causar problemas para a criança ser aceita no meio onde vive. Por isso é importante que seja feito o pré-natal e que haja a conscientização para que a sociedade entenda a trissomia. Além disso a inclusão é fundamental e já existe a Lei Brasileira da Inclusão que em seu Artigo 4º afirma: “Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”. Infelizmente isso não acontece, as pessoas com a trissomia sofrem muita discriminação e têm dificuldade para encontrar empregos e pessoas para estarem ao seu lado. A informação e a convivência fazem toda a diferença na inclusão, a sociedade ignora as pessoas com a síndrome de down ou tem preconceito com elas, inferiorizando-nas. Um cromossomo a mais não deve ser motivo de preconceito. 

Fernando e Gustavo - Foto tirada por Rita

Vale a pena conferir


Criado em 2012, o Movimento Down tem como objetivo informar as pessoas sobre a síndrome de down. Para isso ele torna acessíveis e objetivas diversas informações importantes sobre o assunto. Idealizado pela advogada Maria Antônia Goulart, que é mãe de uma menina com síndrome de down e sentia falta de informações sobre o assunto, o Movimento Down tem muitas informações para os familiares e para as pessoas com a síndrome, desde a gestação até o desenvolvimento do indivíduo.


Criado pelo Instituto Chefs Especiais, o Chefs Especiais Café é a 1º Cafeteria Inclusiva do Brasil, totalmente gerida por pessoas com a Síndrome. Ela foi idealizada por quatro empreendedores com síndrome, são eles: Rodrigo Botoni, Luiza Camargo, Danielle Carnevale e Maria Carolina. Com um estilo Hardcore inspirado no Motoclube In’Omertà, a cafeteria quer quebrar a ideia de fragilidade das pessoas com a trissomia e lutar por inclusão, por isso o logo é uma caveira, simbolizando que todos são iguais.

Localização: Rua Augusta, 2559 - JARDINS - SÃO PAULO/SP 
Horário de funcionamento: terça à sexta das 10h às 18h30 e sábados das 10h às16h

Os termos corretos

Algumas palavras e termos são erroneamente usados pela sociedade par se referir às pessoas com a Síndrome de Down, esses termos acabam ofendendo e não devem ser usados. Alguns deles são:

  • Doente/inválido: deficiência não é doença. Doença se refere à problema de saúde e a síndrome não é um problema de saúde.
  • Retardado/deficiente mental: deficiência mental é um comprometimento de ordem psicológica. 
  • Portador de síndrome de down: a palavra portar significa carregar, as pessoas não portam a síndrome, elas têm. Deficiência é inerente ao ser humano, não é algo que da para sair do corpo como um vírus.
Os termos corretos para usar são:
  • Condição genética: a síndrome de down é uma condição dos cromossomos, no lugar de doença use condição genética.
  • Deficiência intelectual: é um comprometimento cognitivo, ou seja, as pessoas com deficiência intelectual demoram mais para aprender algumas coisas, mas elas são capazes de aprender.
Usar os termos corretos é imprescindível para a inclusão das pessoas com síndrome de down. É ter respeito por elas.



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