Itália fora da Copa: crônica de uma morte anunciada
Pelo colaborador Felipe Cereser
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O brasileiro Jorginho, naturalizado italiano, abraça e consola Buffon, que iria para sua sexta Copa. Fonte: Getty Images. |
Há pouco mais de duas semanas, e como já se sabe, nem mesmo 70 mil vozes e um retrospecto positivo no San Siro foram suficientes para trazer boa ventura à Itália e colocá-la na Copa do Mundo. Ventura, por sinal, é uma palavra que os italianos não querem ouvir por um longo tempo. De forma alguma vou aliviar para o treinador, mas a culpa não foi só dele. E se não foi, o que fez a Azzurra, outrora tetracampeã do principal evento esportivo mundial, não ser capaz de bater a Suécia para garantir passagem à Rússia? Algo um tanto quanto enraizado precisa ser explicado e debatido, até porque, como escreveu o jornalista Gian Oddi, o desastre “não chega a ser uma grande surpresa”.
Parte dos mais fanáticos continuará a reclamar do pênalti não assinalado em Darmian. Outros irão culpar o ranking da FIFA que distribuiu as seleções nos potes para o sorteio da Uefa que, com seus critérios, colocaram Espanha e Itália, num mesmo grupo, brigando por uma vaga enquanto uma das chaves continha as equipes de Polônia e Dinamarca, e outra figurava com Islândia e Croácia como maiores forças. Muitos (quase todos, e com imensa razão) irão questionar a escolha do limitadíssimo Giampiero Ventura para o cargo de treinador. É óbvio que a Federação Italiana (FIGC) errou demais. Talvez Crasso, o general romano famoso pelo provérbio, não errasse nesse nível especialmente se soubesse que a Itália ainda se sobressai pela formação de técnicos – e é bem provável que com um Ancelotti, Conte, Allegri ou até Spalletti, no banco de reservas, a seleção lograsse êxito na empreitada frente aos suecos.
Contudo, a questão é outra. Lembremos que após a vitória em Berlim (2006), a Nazionale acumulou participações razoáveis em Eurocopas e duas incríveis eliminações nas primeiras fases das Copas na África e aqui, no Brasil. O drama italiano seguia como numa “crônica de uma morte anunciada” (que me perdoe Gabriel García Márquez) e nenhum dirigente se atentava. No Calcio não há limites para estrangeiros, praticamente. Os mais antenados, todavia, lembrar-se-ão de 2010, quando a FIGC determinou que somente um atleta “extracomunitário” – cuja nacionalidade não pertence a um país da União Europeia – poderia integrar agremiações da Serie A. Ato falho. Falho na prática, uma vez que passaportes de capa vinho, já acessados com certa facilidade pelos esportistas, passaram a ser “distribuídos”. Novas empresas ascenderam com o objetivo de facilitar os trâmites e caçar qualquer parentesco (sem importar a distância na árvore genealógica) com um antepassado nascido em um dos 28 países da União, para que o jogador não seja considerado “extracomunitário”. Não podemos esquecer também do contínuo fluxo de atletas de nações próximas, do Leste Europeu e até da Escandinávia que chegam com qualidade duvidosa e de baciada à Península Itálica.
A ideia da FIGC, sete anos atrás, era justamente valorizar a formação de novos valores e dar oportunidade aos nativos do país, mas, em suma e como já escrito, nada mudou. Uma das provas disso pode ser vista na atual temporada (2017/2018), já que os oito primeiros colocados da Serie A (Napoli, Internazionale, Juventus, Roma, Lazio, Sampdoria, Milan e Bologna), os melhores times até agora (14ª rodada), somados, possuem mais que 60% de seus elencos formados por estrangeiros! O número torna evidente que os clubes preferem apostar naqueles que vêm de fora em vez de dar chance ao prata da casa. A consequência clara e natural se faz na dificuldade quase crônica em formar jogadores, e a impossibilidade de conferir espaços a eles.
No Brasil, a partir de 2013, aumentou-se de três para cinco, o número máximo de estrangeiros por equipe, e o “conceito estrangeiro”, aqui, independe do país de origem do jogador, pois imaginemos se, aos nativos de países pertencentes ao Mercosul, não houvesse restrição... talvez um Gabriel Jesus jamais seria, em tão pouco tempo, o que é hoje. Vale a ressalva de que é evidente a diferença de relacionamento entre os integrantes do Mercosul e da União Europeia, até porque não se trata do mesmo modelo de bloco econômico. Porém, é dessa maneira que os clubes brasileiros incentivam e possibilitam a entrada de jogadores de base.
Não se trata aqui de nenhum tipo de visão xenofóbica de mundo. Apenas é válido pensar que algo de estranho acontece e não é de agora. Limitar o número de jogadores estrangeiros é salutar para que jovens italianos não acabem sem espaço e as seleções de base não fiquem sem opções convincentes para convocações, deixando padecer a squadra principal como um time comum que, aliado a um treinador comum, traz o luto para uma nação que respira e se une por uma paixão: o futebol.
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