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EDITORIAL: "Pobre não tem hábito alimentar"

No dia 8 de outubro a Prefeitura sancionou um projeto de lei que instituiu a Política Municipal de Erradicação da Fome e de Promoção da Função Social dos Alimentos. Neste dia o Prefeito de São Paulo apresentou o granulado alimentar para todos os presentes e o classificou como “um alimento completo: em proteínas, vitaminas e sais minerais”. Ainda afirmou que parecia com um biscoito de polvilho. 

João Dória ao lado do granulado alimentar. Foto por Revista Fórum

“Este é um produto abençoado”, disse João Doria sobre a Farinata, mas, segundo o prefeito, os abençoados são os pobres, que "não têm hábitos alimentares" e "têm que dar graças a Deus se se alimentarem". É com essa mentalidade que Dória quer distribuir o granulado alimentar à base de farinata – apelidada de "ração humana" – para a sociedade.

A farinata é uma farinha produzida pela Plataforma Sinergia à base de alimentos próximos da validade. O processo de produção é caro e demorado. Carmen Cecília Tardini, professora da Universidade de São Paulo (USP), explicou que a água presente em frutas e verduras, por exemplo, é completamente retirada delas durante o processo. O alimento é congelado e vai para uma máquina chamada liofilizador, onde fica por 16 horas e sai desidratada.

A partir da farinata é produzido o granulado alimentar – aquelas bolinhas que apareceram no vídeo feito por João Dória –, o “produto abençoado” que mobilizou a Igreja Católica, apoiadora da medida de erradicação da fome proposta pelo tucano – já que pode disponibilizar o alimento para pessoas carentes. Don Odilo Scherer afirmou que “o pobre tem fome. Hábito alimentar é para quem tem disponibilidade de alimento e pode ser dar ao luxo de ter uma alimentação regular, refeições regulares, alimentação. Pobre não tem isso”. De acordo com o Estado, alimentação é um direito e não um luxo, mas o Cardeal talvez não saiba disso.

Depois da apresentação da ração humana, o prefeito recebeu elogios e críticas. Na Internet, a população ficou indignada com a iniciativa de dar aquele produto aos pobres como forma de alimentação. João Dória, então, entrou em contradição e dez dias depois de afirmar que o granulado alimentar (feito de farinata) era “um alimento completo”, disse que “[A farinata] será utilizada sempre como complemento alimentar. Ela não é alimentação em si, mas suplementar”. Com essa fala o gestor – como se intitula – mostrou que sua posição não é firme e que, ao contrário do que ele vem afirmando, o alimento não vai erradicar a fome na cidade de São Paulo.

O que é alimentação? 

De acordo com o Artigo 6º da Constituição Federal: "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". (Redação dada pela EC n. 90/2015)

A partir disso a Lei máxima do Estado garante o direito de alimentação para todas as pessoas, mas o que é alimentação? Alimentação é um substantivo feminino e significa:
  1. abastecimento renovado do conjunto das substâncias necessárias à conservação da vida; sustento.
  2. p.ext. ato de abastecer, prover, fornecer, carregar alguma coisa com o necessário ao seu funcionamento.


Até esse ponto a Farinata supostamente segue todos os critérios, uma vez que, segundo o prefeito, ela contém os nutrientes necessários para alimentar uma pessoa. No entanto, os pobres não têm poder de escolha e precisam comer o granulado alimentar enquanto o resto da sociedade tem aparatos suficientes para escolherem o que colocarão na mesa. A Constituição também afirma que todos são iguais perante à Lei, logo é dever do Estado garantir os direitos necessários para que os pobres também tenham acesso à uma alimentação de qualidade e não à uma farinha produzida a partir de alimentos próximos da data de validade.

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