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Não é interior, mas pode chamar assim

Por: Guilherme Queiroz    

O país que começou com a cana-de-açúcar, foi reinado, colônia portuguesa, escravista, república, cafeicultor, ditadura. Ao mesmo tempo que o Brasil se transformava, surgiam povoados, bairros, famílias e histórias. Histórias que seguem vivas, como por exemplo, a de Pirituba, bairro da zona norte (ou oeste?) de São Paulo.

A história começou no século XVI. Os bandeirantes começavam a desbravar o território brasileiro em busca de metais preciosos. E foi em uma dessas expedições, que encontraram ouro no que hoje nós conhecemos como Pico do Jaraguá. O ponto mais alto do município de São Paulo, localizado a uma altitude de 1.135 metros de altitude em relação ao nível do mar.

Pico do Jaraguá antes das antenas. Fonte: Prefeitura de São Paulo

A região de Pirituba e Jaraguá começaria a ser povoada a partir da atividade extrativista. A região, na verdade, já era densamente habitada por índios guarani, que ainda hoje moram próximos ao Parque Estadual do Jaraguá, embora encontrem-se em uma situação extremamente precária, e que hoje lutam para terem direito a sua reserva indígena, que recentemente teve a área diminuída pelo Governo Federal.

Mas o que deu o pontapé no desenvolvimento do bairro foi a construção da estrada de ferro Santos-Jundiaí, no século XIX. E o início de Pirituba tem até mesmo uma data precisa, 1º de fevereiro de 1885, dia em que a estação Pirituba começou a operar, como uma das paradas da ferrovia. A São Paulo Railway, como era conhecida a linha de trem, tinha como objetivo escoar a produção de café do interior do estado paulista. Toda a produção cafeeira convergia em Jundiaí, e de lá, seguia para o Porto de Santos.

A São Paulo Railway era comandada pelos ingleses, e a estação Pirituba tornava-se o local onde a companhia ferroviária mantinha galpões e funcionários, para a manutenção da estrada de Ferro. Com a vinda dos imigrantes europeus e asiáticos para o Brasil, muitos foram trabalhar para os ingleses ferroviários. Os japoneses também começaram a habitar a região, eles eram responsáveis pelo cultivo de eucalipto, que era usado para fazer os trilhos.

A área do bairro que existe hoje era ocupada por fazendas no século XIX,sendo a Fazenda Tobias Aguiar a principal delas. Curiosamente, a fazenda foi adquirida pelo Brigadeiro Tobias Aguiar e Maria Domitila. O nome Maria Domitila pode parecer desconhecido, mas a moça era mais conhecida como Marquesa de Santos, a mais famosa amante de Dom Pedro I. O casarão da Marquesa ainda existe, embora tenha sido reconstruído, e hoje fica próximo a rodovia Anhanguera, na parte sul do bairro de Pirituba.

Vista parcial da Avenida Mutinga, no bairro de Pirituba, em 1969. Foto: LEMYR MARTINS/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

A Fazenda Tobias Aguiar foi vendida a Companhia City de Desenvolvimento, que loteou diversas áreas do bairro, que deram origem a moradias de alto padrão, que existem até hoje, como o City Pinheirinho e o City Recanto do Anastácio.

O desenvolvimento econômico definitivo da região começou com a vinda de diversas fábricas para o bairro, o que atraiu mais moradores. Como por exemplo, a Companhia Anglo Brasileira de Indústria de Borracha, a Refinações de Milho Brasil e o Lanifício Pirituba.

Além do desenvolvimento industrial, Pirituba também é lar do Hospital Psiquiátrico Pinel, que começou a funcionar em 1929. Pioneiro no tratamento de doentes mentais, a instituição foi uma das primeiras no Brasil a tratar os pacientes de forma decente e a não usar a forma de tratamento conhecida como  “terapia de choque”.

Anúncio do Sanatório Pinel na década de 20 no Estado de S. Paulo

Em um dos sub-bairros de Pirituba, a Vila Mangalot, existem diversos relatos de que havia um quilombo na região, que era conhecido como Quilombo Pirituba. Vários descendentes dos moradores da Vila dizem ouvir de seus avós e bisavós histórias sobre a resistência dos escravos na região, e que, quando a escravidão teria sido abolida, os negros fundaram a Vila. Segundo o presidente da Escola de Samba Prova de Fogo, Ivan de Lima, que agora também é prefeito regional de Pirituba/Jaraguá, a escola de samba agora faz o papel do quilombo, concentrando a resistência negra e as manifestações culturais africanas.

O bairro também já tentou tornar-se independente da cidade de São Paulo no meio do século XIX, contudo, o que conseguiu foi deixar de pertencer à Freguesia do Ó e se transformar em um distrito. Pirituba ainda concentra um clima interiorano, típico das regiões mais afastadas do centro da capital paulista. Contudo, é uma região desenvolvida e com IDH alto, por ter uma grande concentração de população de classe média. Alguns contrastes sociais existem, como na região do Tietê Plaza Shopping, onde ao mesmo tempo em que temos condomínios residenciais de alto padrão, como o Portal dos Bandeirantes, temos logo ao lado a Favela do Piqueri, que fica ao lado dos prédios que possuem uma infraestrutura desenvolvida, o que só acentua as diferenças sociais entre os moradores.

Carregada de cultura e muita história, a região não para de crescer. Até poucos anos atrás, o acesso ao transporte público no bairro era precário, mas com a construção do Terminal Pirituba, inaugurado em 2003, as condições melhoraram muito. Algumas pessoas ainda confundem a região como interior, mas os moradores não veem muitos problemas nisso, afinal, no meio de todo o caos urbano, morar em um bairro que tem a 2ª maior concentração de áreas verdes na cidade de São Paulo é um privilégio.

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