A pressa por um diagnóstico impreciso
Otávio ainda não pôde ser diagnosticado pelos médicos. Fonte: Amanda Leite/O Articulista |
Em um ponto de cor no Cangaíba, Zona Leste de São Paulo, mora Otávio, de 6 anos. Ele, sua mãe, Vanessa, e seu irmão, Gabriel, foram resgatados da rua pela família da química Cristina Paixão (49) - agora, em sua simpática casa, moram os quatro, o marido de Cristina, suas duas filhas e sua nora. Desde o nascimento de Otávio, os médicos suspeitavam que a criança tinha TEA (Transtorno do Espectro Austista). "Agora, o médico ortopedista dele acha que ele tem uma outra síndrome. Antigamente, eles [os médicos] tinham mais certeza que era autismo, hoje ficam mais em cima do muro", relata Cristina, que se considera vó da criança. O garoto, que foi pré-diagnosticado com autismo com pouquíssima idade, agora intriga a medicina: "O autista tem algumas especificações que o Otávio não possui, como a interação com as pessoas", acrescenta Paixão.
Otávio também apresenta problemas na fala e, por isso, faz acompanhamento com a fonoaudióloga há alguns anos. A profissional Fernanda de Melo (30), acredita que, mesmo tendo uma considerável e rápida evolução, o caminho de Otávio continua árduo: "O diagnóstico dele ainda não foi fechado, mas agora eu, a psicóloga e a neurologista estamos investigando juntas", acrescenta. Em pouco tempo, com a ajuda da terapia e de medicamentos, Otávio, que falava apenas algumas sílabas, hoje já consegue conversar mais e interagir: "Mesmo com a melhora, às vezes não conseguimos entender o que ele quer dizer, é preciso que ele demonstre com mímicas ou aponte o que deseja", afirma Melo.
A fonoaudióloga Fernanda de Melo em consulta domiciliar com Otávio. Fonte: Amanda Leite/O Articulista |
Otávio corresponde a uma estatística curiosa: nos anos 50, 1 a cada 500 crianças era diagnosticada com autismo. Hoje, esse número pulou para 1 a cada 68. Para Carlos Gadia, neurologista pediatra e diretor associado do Dan Marino Center, do Miami Children's Hospital, nos Estados Unidos, essa alteração foi causada graças as novas e diferentes formas de se diagnosticar o autismo. "Até meados dos anos 1990, para ser considerada autista, a criança precisava não interagir socialmente nem se comunicar. Depois foi considerado ter alguma alteração na qualidade da comunicação e da interação social em comparação com outras da mesma idade. Com isso, houve uma expansão no diagnóstico", explica.
Em 2013, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais juntou várias subdivisões e criou o termo TEA - Transtorno do Espectro Autista. "Não há mais Síndrome de Asperg, Transtorno Global ou Invasivo de Desenvolvimento. Tudo virou TEA. Os especialistas criaram essas subdivisões pois achavam que ter grupos homogêneos dentro dos transtornos facilitaria as pesquisas, mas não foi o que aconteceu. Essas subdivisões só causam confusões para a família. Essa mudança de nomenclatura reafirma a ideia de espectro, de que há diferentes severidades do problema", afirma Gadia.
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Otávio faz parte do grupo de autistas que, na contramão do que se acredita, interagem com o outro. Fonte: Amanda Leite/O Articulista |
Embora atualmente seja um assunto mais tratado, o autismo continua dando origem a inúmeros questionamentos na medicina. "Os médicos não conseguem reconhecer os sintomas porque não estão preparados para isso", diz a psiquiatra da infância e da adolescência Rosa Magaly Moraes. "A psiquiatria infantil não é disciplina obrigatória na formação de um pediatra". Hoje a psiquiatria moderna considera o autismo um distúrbio do desenvolvimento - ou seja, algo causado por uma anormalidade no processo de formação do cérebro. Quando, onde e por quê, ninguém sabe exatamente - mas essa possibilidade explicaria as inúmeras faces do TEA, como o fato de existirem autistas tão diferentes entre si. Atualmente, já se sabe que um autista pode ser incapaz de produzir uma simples palavra enquanto outro indivíduo pode demonstrar total domínio das regras gramaticais. Por esse motivo, hoje se fala mais em espectro autista. O termo abrange uma série de distúrbios, caminhando por entre o "autismo clássico" até formas mais brandas - esse leque de opções, na prática, leva o especialista a decretar um diagnóstico precipitado e não preciso.
Para crianças como o Otávio, entretanto, a luta continua. Além dos anos de terapia e estudo para se confirmar o autismo, ainda há muitas questões sociais a serem resolvidas, como escolas inclusivas e a desconstrução do preconceito. Para Cristina, o diagnóstico ainda está longe de ser finalizado: "Um dos médicos acredita que ele possui mais uma síndrome, que afeta o sistema ósseo. Foram anos de tratamento sem considerar essa possibilidade". Enquanto o autismo for um mistério para a medicina e os diagnósticos forem imprecisos, a solução nunca se mostrará suficiente.
Fonte: Revista Época, Correio Braziliense e Portal UOL.
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