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A Hibridez do Tech-Noir

Por Aline Reis

Gêneros de origem

Entre os anos de 1940 e 1950 houve a ascensão de um subgênero de filme policial, o Noir. Traduzido como “filme negro” em francês, o termo definiu todo um estilo de filme, com histórias de suspense e investigação envoltos em traição e vingança. Eram gravados em preto-e-branco e com alto contraste, sob influência da cinematografia do expressionismo alemão. Os filmes desse período continham uma estética muito singular e memorável, tendo as femmes fatales - mulheres sedutoras e de caráter questionável, representando vilãs ou anti-heroínas - como personagens recorrentes, assim como os detetives em seus escritórios apertados.

Trinta anos mais tarde, na década de 1980, um outro subgênero, dessa vez da ficção científica, surgiu: o Cyberpunk. Muito diferente do Noir, apresentava um universo degradado, com alto nível de tecnologia e baixa qualidade de vida (High tech, Low life), com uma visão pessimista do futuro e tendo os marginalizados e rejeitados como protagonistas. Cidades amontoadas, sujas e com pouca iluminação são o cenário presente nos filmes desse subgênero, que nasceu como uma contraposição à representação otimista do futuro presente nas obras utópicas.

Stranger on the Third Floor (1940), clássico Noir e Robocop (1987), clássico da Ficção Científica.

O Tech-Noir

Combinando o clima e cenário de dois subgêneros tão distintos surgiu o Tech-Noir, mantendo o suspense e a investigação dos filmes Noir e os cenários de um futuro pessimista do Cyberpunk, além de outros elementos do próprio gênero da Ficção Científica. De acordo com Emily E. Auger em seu livro “Filme Tech-Noir: Uma Teoria do desenvolvimento de Gêneros Populares”, os filmes desse gênero apresentam “tectonologia como um força destrutiva e distópica que ameaça todos os aspectos da nossa realidade”. Entretanto, é complicado considerar o Tech-Noir tanto como um subgênero da ficção cientifica quanto o resultado de algo unicamente influenciado pelo cyberpunk em si. A definição proposta pelo site Exploring Dystopia facilita o reconhecimento dessa diferenças: “Tech-Noir está relacionado ao cyberpunk e geralmente é rotulado como tal, mas as distopias Tech-Noir geralmente possuem mais profundidade psicológica e existencial. A atmosfera é mais fascinante, ameaçadora, nebulosa e melancólica do que na média Cyberpunk e a perspectiva sobre tecnologia, urbanização e ambiente é muito mais complexa. Os contextos espetaculares nas distopias Tech-Noir são fundos principais para experimentos intelectuais, na maior parte dos casos extremamente inovadores e imaginativos.”

Um dos pontos mais interessantes desse tipo de filme são os questionamentos relacionados ao ser-humano e à sociedade (em consequência de sua relação com a ficção científica). A humanidade do homem e da máquina são constantemente questionadas em tais obras, que também criticam a relação do homem com a Terra e a consequência de seus atos no futuro.

A partir disso, é possível considerar que o Tech-Noir adquiriu características próprias e distintas de qualquer outro gênero ou subgênero, estabelecendo um estilo particular, tanto de cenários e filmagem quanto de narrativas e questionamentos, superando as barreiras colocadas por qualquer outro estilo que o tenha influenciado primeiramente.

O termo Tech-Noir foi cunhado durante o filme The Terminator (1984), sendo o nome do clube noturno no qual o Exterminador encontra-se pela primeira vez com Sarah Connor, fator crucial para o desenrolar da trama.


Cena do filme The Terminator (1984).

A obra mais icônica do Tech-Noir - e uma das mais icônicas de toda a história do cinema - é o filme Blade Runner (1982), que consegue retratar os pontos principais do gênero. Sua cena inicial, se colocada sob um filtro preto-e-branco, poderia facilmente ser confundida com um filme policial dos anos 40, enquanto que a Los Angeles representada ao longo da obra é de um clima denso e iluminada por luzes de neon, como em vários cenários de ficção científica. Além de tudo, o filme - dirigido por Ridley Scott e inspirado no livro de Philip K. Dick “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?” - carrega inúmeros questionamentos, contando inclusive com a subversão do sentimento de humanidade, quando os androides da trama mostram-se mais compassivos que o próprio ser humano.


Poster do filme Blade Runner (1982).
Infelizmente, os aspectos teóricos e outras questões mais profundas referentes ao Tech-Noir são pouco discutidas, existindo um número reduzido de trabalhos e textos sobre o assunto. Esse gênero proporciona abertura para extensas discussões, que vão desde a representação das mulheres nos filmes desse estilo até as semelhanças dos universos ficcionais com a nossa própria realidade.

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