Um Novo Começo?
29 de novembro de 2017
Por Enzo Kfouri
Nessas últimas semanas,
mesmo sem a atenção devida, a mídia tem falado sobre a retirada do líder Robert
Mugabe e a crise política que assombra o Zimbábue, país com pouco mais de 16
milhões de habitantes localizado no sul do continente africano.
Envolto em uma crise
econômica grave, a nação com a maior inflação do mundo tenta se reerguer
politicamente, procurando deixar de lado os fantasmas do passado colonial.
No poder há quase quatro
décadas, Mugabe estava aguentando a pressão popular e as manifestações quando
foi forçado a renunciar por conta da intervenção militar, que no último dia 15 levou
as forças armadas a tomar as ruas da capital Harare e assumiram o controle dos
edifícios governamentais e os meios de comunicação.
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Ex- presidente do Zimbábue Robert Mugabe. O chefe de estado que estava há 37 anos no poder renunciou no último dia 21 por pressão das forças armadas. Fonte: Philiman Bulawayo/Reuters |
A renúncia do político que
governou desde 1980 se deu no dia 21, quase uma semana depois da ocupação dos
militares, através de uma carta que não indicou nenhum sucessor. O país
africano atravessa um período muito frágil em relação à sua economia, porém estima-se
que todo o conflito político tenha se intensificado após Mugabe ter destituído,
no último dia 6, o então vice-presidente Emmerson Mnangagwa, na época provável
sucessor da presidência nas eleições de 2018, por influência da primeira dama,
Grace Mugabe, com quem competia para suceder o chefe de estado.
Ao contrariar seu partido, a
União Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótica (ZANU-PF), Mugabe
acabou decretando o fim de seu longo governo, uma vez que a união política e
Mnangagwa acabaram por se aliar com as forças armadas e com a população que
protestava contra o governante para retirar ele e sua mulher do poder. Contudo,
é importante se ter em mente que os problemas políticos, econômicos e sociais
na antiga Rodésia não são atuais, e sim consequências de um passado longo de
exploração proveniente do neocolonialismo.
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Veículo blindado em Harare, na manhã de 15 de novembro próximo à sede da presidência. Fonte: Tsvangirayi Mukwazhi/AP |
Colonização
e Independência
Guerra Civil (1965-1979)
Após o evento de 1965, mesmo sem o reconhecimento internacional, a minoria branca assume o poder para lidar com as guerrilhas africanas de ideologias esquerdistas, o que dá início a uma guerra civil sangrenta que dura mais 14 anos (1965-1979). É durante esse período que surgem duas uniões fortes: a já mencionada ZANU-PF, liderada por Mugabe e a ZAPU (União do Povo Africano do Zimbábue), comandada por Joshua Nkomo.
Colônia britânica desde o
final do século XIX, o Zimbábue possuía uma elite branca muito presente que
tomava as decisões e detinha o poder. Era normal nas colônias inglesas todo o
sistema de policiamento e exército serem propriamente subordinados à metrópole,
o que dificultava a autonomia desses territórios. Entretanto, o caso da Rodésia
do Sul, como era chamada na época, era totalmente diferente, pois encontrava-se
estruturada de outra maneira, uma vez que a elite local que comandava esses
segmentos.
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Mapa da região sul da áfrica, destacando a localização do Zimbábue e da Zâmbia, ex-Ródésia do Sul e Rodésia do Norte, respectivamente. Fonte: Arte UOL |
Em 1964, após negociações, o
Reino Unido concede à Rodésia do Norte, atual Zâmbia, a independência. Todavia, isso não ocorre com a Rodésia do Sul pelo fato de os líderes locais não concordarem com os termos ingleses que
impediam que o governo novo fosse eleito à base do sufrágio universal.
Desse modo, um ano depois, o
primeiro-ministro local acaba declarando unilateralmente a independência em 11
de novembro de 1965, feito que não ocorria desde a independência americana,
isto é, desde 4 de julho de 1776. No
pronunciamento também promulgou uma constituição através da qual o país passaria
a adotar o nome de República da Rodésia. A declaração não foi reconhecida pelo
Reino Unido e nem pela ONU, que só consideraram o território definitivamente
independente em 1980, 15 anos depois.
Guerra Civil (1965-1979)
Após o evento de 1965, mesmo sem o reconhecimento internacional, a minoria branca assume o poder para lidar com as guerrilhas africanas de ideologias esquerdistas, o que dá início a uma guerra civil sangrenta que dura mais 14 anos (1965-1979). É durante esse período que surgem duas uniões fortes: a já mencionada ZANU-PF, liderada por Mugabe e a ZAPU (União do Povo Africano do Zimbábue), comandada por Joshua Nkomo.
Em 1979, através do acordo
de Lancaster House, apoiado por diversas potências europeias e pelos EUA, a paz
finalmente é instaurada. Com o final da guerra o território finalmente consegue
implementar o sufrágio universal e acabar com o domínio da minoria branca,
proclamando-se então a República do Zimbábue, liderada pelo primeiro-ministro
Robert Mugabe, eleito democraticamente pela maioria.
Governo
Mugabe (1980-2017)
A princípio, Mugabe foi
mundialmente elogiado por sua postura supostamente conciliadora, mas a história
mostraria sua verdadeira face. Ainda em seus primeiros anos de governo, o
político ficou conhecido por perseguir a minoria branca, forçando-a a fugir do
país. O Mugabe da televisão, dos discursos de reconciliação racial não se
assemelhava em nada com o real.
Em 1982, Mugabe passa a
comandar o país sozinho, rompendo a coligação de Unidade Nacional de dois anos
com Joshua Nkomo, o que gera um grande conflito entre as duas principais etnias
da nação: os shonas (71% da população e etnia de Mugabe) e os ndbeles (29% da
população). Foi nesse período que as forças armadas leais ao presidente
cometeram as maiores atrocidades, deixando 20.000 civis mortos. Cinco anos
depois, os dois lados se acertam e o então chefe de estado, tentando contentar
a maioria, nomeia seu antigo rival vice-presidente. Após
isso, o presidente centralizou as políticas econômicas na produção de cereais e
a partir de 2000, com a reforma agrária, as condições pioraram brutalmente.
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Apoiadores de Emmerson Mnangagwa comemoram renúncia de Mugabe. Fonte: Ben Curtis/AP |
Por conta da medida, a
agricultura, “espinha dorsal” do país, entrou em queda livre, com a
produtividade atingindo níveis miseráveis sem precedentes na história do país.
O
que se iniciou como um processo de nacionalização forçada das propriedades
agrícolas nas mãos da população branca para as redistribuir aos negros, sob o
discurso de haver uma “necessidade de inverter os desequilíbrios econômicos”,
transformou-se em uma política que beneficiava próprio presidente, sua família
e a elite partidária, deixando milhares de trabalhadores negros sem trabalho e
moradia.
Rapidamente o Zimbábue
deixou de ser o celeiro da África, como era reconhecido por sua produção
abundante, para se tornar uma nação à beira da miséria extrema com índices
altos de fome. Assim,
desde que chegou ao poder em 1980, o político viveu por décadas de maneira
indiferente aos problemas locais. Enquanto a imprensa internacional reportava
as condições precárias da saúde e educação públicas, incluindo a qualidade de
vida, a elite política mandava no país.
Nas últimas décadas, a
inflação do país conquistou o infame posto de maior inflação do mundo. As
notas de bilhões e trilhões de dólares do Zimbábue tornaram-se fetiche de
colecionadores. A inflação chegou a tal
ponto que o país perdeu o controle sobre
sobre sua economia e se viu forçado a abrir mão de uma moeda nacional.
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Cédula de 100 bilhões de dólares do Zimbábue. Hoje é comum no país se fazer o uso de moedas estrangeiras. Fonte: AFP |
Com a deposição de Mugabe, o
povo do Zimbábue espera um futuro melhor para que possa se esquecer das últimas
décadas sombrias que degradaram a qualidade de vida no país. Espera-se com o
novo líder que as condições melhorem, mas o que esperar de um presidente do
mesmo partido que só tomou posse por conta de desentendimentos entre seu
antecessor e a elite política, cúmplice das tragédias humanitárias?