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Um Novo Começo?

29 de novembro de 2017


Por Enzo Kfouri


Nessas últimas semanas, mesmo sem a atenção devida, a mídia tem falado sobre a retirada do líder Robert Mugabe e a crise política que assombra o Zimbábue, país com pouco mais de 16 milhões de habitantes localizado no sul do continente africano.

Envolto em uma crise econômica grave, a nação com a maior inflação do mundo tenta se reerguer politicamente, procurando deixar de lado os fantasmas do passado colonial.

No poder há quase quatro décadas, Mugabe estava aguentando a pressão popular e as manifestações quando foi forçado a renunciar por conta da intervenção militar, que no último dia 15 levou as forças armadas a tomar as ruas da capital Harare e assumiram o controle dos edifícios governamentais e os meios de comunicação.

Ex- presidente do Zimbábue Robert Mugabe. O chefe de estado que estava há 37 anos no poder renunciou no último dia 21 por pressão das forças armadas. Fonte: Philiman Bulawayo/Reuters

A renúncia do político que governou desde 1980 se deu no dia 21, quase uma semana depois da ocupação dos militares, através de uma carta que não indicou nenhum sucessor. O país africano atravessa um período muito frágil em relação à sua economia, porém estima-se que todo o conflito político tenha se intensificado após Mugabe ter destituído, no último dia 6, o então vice-presidente Emmerson Mnangagwa, na época provável sucessor da presidência nas eleições de 2018, por influência da primeira dama, Grace Mugabe, com quem competia para suceder o chefe de estado.

Ao contrariar seu partido, a União Nacional Africana do Zimbábue – Frente Patriótica (ZANU-PF), Mugabe acabou decretando o fim de seu longo governo, uma vez que a união política e Mnangagwa acabaram por se aliar com as forças armadas e com a população que protestava contra o governante para retirar ele e sua mulher do poder. Contudo, é importante se ter em mente que os problemas políticos, econômicos e sociais na antiga Rodésia não são atuais, e sim consequências de um passado longo de exploração proveniente do neocolonialismo. 

Veículo blindado em Harare, na manhã de 15 de novembro próximo à sede da presidência. Fonte: Tsvangirayi Mukwazhi/AP

Colonização e Independência


Colônia britânica desde o final do século XIX, o Zimbábue possuía uma elite branca muito presente que tomava as decisões e detinha o poder. Era normal nas colônias inglesas todo o sistema de policiamento e exército serem propriamente subordinados à metrópole, o que dificultava a autonomia desses territórios. Entretanto, o caso da Rodésia do Sul, como era chamada na época, era totalmente diferente, pois encontrava-se estruturada de outra maneira, uma vez que a elite local que comandava esses segmentos.

Mapa da região sul da áfrica, destacando a localização do Zimbábue e da Zâmbia, ex-Ródésia do Sul e Rodésia do Norte, respectivamente. Fonte: Arte UOL


Em 1964, após negociações, o Reino Unido concede à Rodésia do Norte, atual Zâmbia, a independência. Todavia, isso não ocorre com a Rodésia do Sul pelo fato de os líderes locais não concordarem com os termos ingleses que impediam que o governo novo fosse eleito à base do sufrágio universal.

Desse modo, um ano depois, o primeiro-ministro local acaba declarando unilateralmente a independência em 11 de novembro de 1965, feito que não ocorria desde a independência americana, isto é, desde 4 de julho de 1776.  No pronunciamento também promulgou uma constituição através da qual o país passaria a adotar o nome de República da Rodésia. A declaração não foi reconhecida pelo Reino Unido e nem pela ONU, que só consideraram o território definitivamente independente em 1980, 15 anos depois. 

Guerra Civil (1965-1979)

Após o evento de 1965, mesmo sem o reconhecimento internacional, a minoria branca assume o poder para lidar com as guerrilhas africanas de ideologias esquerdistas, o que dá início a uma guerra civil sangrenta que dura mais 14 anos (1965-1979). É durante esse período que surgem duas uniões fortes: a já mencionada ZANU-PF, liderada por Mugabe e a ZAPU (União do Povo Africano do Zimbábue), comandada por Joshua Nkomo.


Em 1979, através do acordo de Lancaster House, apoiado por diversas potências europeias e pelos EUA, a paz finalmente é instaurada. Com o final da guerra o território finalmente consegue implementar o sufrágio universal e acabar com o domínio da minoria branca, proclamando-se então a República do Zimbábue, liderada pelo primeiro-ministro Robert Mugabe, eleito democraticamente pela maioria.

Governo Mugabe (1980-2017)

A princípio, Mugabe foi mundialmente elogiado por sua postura supostamente conciliadora, mas a história mostraria sua verdadeira face. Ainda em seus primeiros anos de governo, o político ficou conhecido por perseguir a minoria branca, forçando-a a fugir do país. O Mugabe da televisão, dos discursos de reconciliação racial não se assemelhava em nada com o real.


Em 1982, Mugabe passa a comandar o país sozinho, rompendo a coligação de Unidade Nacional de dois anos com Joshua Nkomo, o que gera um grande conflito entre as duas principais etnias da nação: os shonas (71% da população e etnia de Mugabe) e os ndbeles (29% da população). Foi nesse período que as forças armadas leais ao presidente cometeram as maiores atrocidades, deixando 20.000 civis mortos. Cinco anos depois, os dois lados se acertam e o então chefe de estado, tentando contentar a maioria, nomeia seu antigo rival vice-presidente. Após isso, o presidente centralizou as políticas econômicas na produção de cereais e a partir de 2000, com a reforma agrária, as condições pioraram brutalmente. 

Apoiadores de Emmerson Mnangagwa comemoram renúncia de Mugabe. Fonte: Ben Curtis/AP
Por conta da medida, a agricultura, “espinha dorsal” do país, entrou em queda livre, com a produtividade atingindo níveis miseráveis sem precedentes na história do país. O que se iniciou como um processo de nacionalização forçada das propriedades agrícolas nas mãos da população branca para as redistribuir aos negros, sob o discurso de haver uma “necessidade de inverter os desequilíbrios econômicos”, transformou-se em uma política que beneficiava próprio presidente, sua família e a elite partidária, deixando milhares de trabalhadores negros sem trabalho e moradia.

Rapidamente o Zimbábue deixou de ser o celeiro da África, como era reconhecido por sua produção abundante, para se tornar uma nação à beira da miséria extrema com índices altos de fome.  Assim, desde que chegou ao poder em 1980, o político viveu por décadas de maneira indiferente aos problemas locais. Enquanto a imprensa internacional reportava as condições precárias da saúde e educação públicas, incluindo a qualidade de vida, a elite política mandava no país.


Nas últimas décadas, a inflação do país conquistou o infame posto de maior inflação do mundo. As notas de bilhões e trilhões de dólares do Zimbábue tornaram-se fetiche de colecionadores.  A inflação chegou a tal ponto que o país perdeu  o controle sobre sobre sua economia e se viu forçado a abrir mão de uma moeda nacional.

Cédula de 100 bilhões de dólares do Zimbábue. Hoje é comum no país se fazer o uso de moedas estrangeiras. Fonte: AFP

Com a deposição de Mugabe, o povo do Zimbábue espera um futuro melhor para que possa se esquecer das últimas décadas sombrias que degradaram a qualidade de vida no país. Espera-se com o novo líder que as condições melhorem, mas o que esperar de um presidente do mesmo partido que só tomou posse por conta de desentendimentos entre seu antecessor e a elite política, cúmplice das tragédias humanitárias?
O lado oculto da indústria pornô

O lado oculto da indústria pornô

Por Roberta Domingues


A porn set in Greater Los Angeles
Set de filmagens em Los Angeles. Foto: Gustavo Turner


A indústria pornográfica movimenta cerca de US$94 bilhões anualmente no mundo inteiro. A cada minuto, são gastos R$10 mil em conteúdo sexual. Com a ajuda da internet, a indústria pornô se tornou tão rentável quanto tráfico de drogas. Por mais que 43% dos internautas procurem sobre o assunto, poucos sabem o que se passa por trás das lentes.


Abuso sexual e drogas


“Depois de um ano e pouco dessa vida “glamourosa”, infelizmente descobri que drogas e bebidas faziam parte desse estilo de vida. Comecei a beber sem controle e a ir em festas — cocaína, álcool e ecstasy eram meus favoritos”, conta Andi, uma ex-atriz pornô que deixou a indústria em 2010, mas infelizmente voltou em 2014.

Quase todos os relatos de trabalhadoras sexuais envolvem drogas e abusos. Muitas contam que eram obrigadas a atuar em cenas ou com atores que não queriam, mas que acabavam por fazer por causa do dinheiro ou da pressão que seus agentes faziam sobre elas. Não é raro também que as atrizes estivessem drogadas durante as gravações para conseguir suportar as longas tomadas e abusos físicos ou verbais. “A maioria das garotas começa a chorar porque sente muita dor… Eu não conseguia respirar. Estavam me batendo e me enforcando. Eu estava muito chateada e não pararam. Continuaram filmando. Falei para que desligassem a câmera, mas não me ouviram e continuaram”, reporta Regan, outra atriz.


Shelley Lubben, ex-atriz pornô e fundadora do site Pink Cross para a ajuda de mulheres da área, estima que 70 atrizes já cometeram suicídio e pelo menos outras 230 morreram de forma trágica, como por overdose, homicídio ou DST.

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"Exploração não é empoderamento"  Foto: fightthenewdrug.org


“Foi uma tortura por sete anos. Eu era miserável, solitária, e eventualmente caí nas drogas e no álcool e tentei me suicidar. Eu sabia que queria me afastar, mas não sabia como” — Jenna


A mulher como objeto sexual


Não são raros os vídeos de espancamento, sexo bruto, puxões de cabelo e afins. A maior parte dos protagonistas são homens, e parece que quanto mais violentos forem, mais competente como atores eles são. A mulher, portanto, acaba por ser abusada para que o filme seja mais excitante.

Tentando combater essa ideia, há alguns anos tem surgido uma nova vertente dessa indústria: o pornô feminista. Um entre três consumidores de pornografia é mulher, e muitas não se sentem representadas na tela. O pornô feminista chega com o objetivo de incentivar o sexo prazeroso para ambos os parceiros, estimulando a conversa e o consentimento, mostrando também o prazer feminino e não focando exclusivamente no homem.


“Era o trabalho mais degradante, embaraçoso e horrível. Tive que filmar para um DVD interativo, o qual leva horas e horas para gravar, com uma febre de 40°C! Eu estava chorando e queria ir embora, mas meu agente não deixava; ele dizia que não podia me permitir dar um “bolo” na gravação.”  — Jessi


Tráfico de pessoas e pedofilia


A pornografia que vemos diariamente e que está disponível em websites é a mais light que existe. Presente na surface web, a internet que qualquer um pode acessar, essa pornografia normalmente está dentro da lei e conta com maiores de idade que consentem com o sexo que fazem. É na deep web que se encontram os vídeos feitos com pessoas raptadas e crianças. A deep web é a camada mais profunda da internet, aquela que não aparece em sites de busca e que necessita de programas especiais para ser acessada. Por conter sites criptografados e irrastreáveis, é comumente usada para atividades ilegais, como compra e venda de armas, drogas, e tráfico de pessoas.

É na deep web que se pode encontrar vídeos perturbadores da indústria pornográfica ilegal: estupros, pedofilia, prostituição, venda de pessoas; nela são movimentados mais de US$3 bilhões de dólares anualmente, e é um dos comércios online que mais crescem no mundo. Toda a rede ilegal vale em torno de US$13 bilhões de dólares somente nos Estados Unidos. São feitas pelo menos 113 mil pesquisas diárias com o termo “pornografia infantil” na internet.


Fontes: Telegraph, Linkedin, Ludovica, Revista VIP, MDIG, Fight the New Drug, Covenant Eyes

Itália fora da Copa: crônica de uma morte anunciada

28 de novembro de 2017

Pelo colaborador Felipe Cereser 

O brasileiro Jorginho, naturalizado italiano, abraça e consola Buffon, que iria para sua sexta Copa. Fonte: Getty Images.

Há pouco mais de duas semanas, e como já se sabe, nem mesmo 70 mil vozes e um retrospecto positivo no San Siro foram suficientes para trazer boa ventura à Itália e colocá-la na Copa do Mundo. Ventura, por sinal, é uma palavra que os italianos não querem ouvir por um longo tempo. De forma alguma vou aliviar para o treinador, mas a culpa não foi só dele. E se não foi, o que fez a Azzurra, outrora tetracampeã do principal evento esportivo mundial, não ser capaz de bater a Suécia para garantir passagem à Rússia? Algo um tanto quanto enraizado precisa ser explicado e debatido, até porque, como escreveu o jornalista Gian Oddi, o desastre “não chega a ser uma grande surpresa”.

Parte dos mais fanáticos continuará a reclamar do pênalti não assinalado em Darmian. Outros irão culpar o ranking da FIFA que distribuiu as seleções nos potes para o sorteio da Uefa que, com seus critérios, colocaram Espanha e Itália, num mesmo grupo, brigando por uma vaga enquanto uma das chaves continha as equipes de Polônia e Dinamarca, e outra figurava com Islândia e Croácia como maiores forças. Muitos (quase todos, e com imensa razão) irão questionar a escolha do limitadíssimo Giampiero Ventura para o cargo de treinador. É óbvio que a Federação Italiana (FIGC) errou demais. Talvez Crasso, o general romano famoso pelo provérbio, não errasse nesse nível especialmente se soubesse que a Itália ainda se sobressai pela formação de técnicos – e é bem provável que com um Ancelotti, Conte, Allegri ou até Spalletti, no banco de reservas, a seleção lograsse êxito na empreitada frente aos suecos.

Contudo, a questão é outra. Lembremos que após a vitória em Berlim (2006), a Nazionale acumulou participações razoáveis em Eurocopas e duas incríveis eliminações nas primeiras fases das Copas na África e aqui, no Brasil. O drama italiano seguia como numa “crônica de uma morte anunciada” (que me perdoe Gabriel García Márquez) e nenhum dirigente se atentava. No Calcio não há limites para estrangeiros, praticamente. Os mais antenados, todavia, lembrar-se-ão de 2010, quando a FIGC determinou que somente um atleta “extracomunitário” – cuja nacionalidade não pertence a um país da União Europeia – poderia integrar agremiações da Serie A. Ato falho. Falho na prática, uma vez que passaportes de capa vinho, já acessados com certa facilidade pelos esportistas, passaram a ser “distribuídos”. Novas empresas ascenderam com o objetivo de facilitar os trâmites e caçar qualquer parentesco (sem importar a distância na árvore genealógica) com um antepassado nascido em um dos 28 países da União, para que o jogador não seja considerado “extracomunitário”. Não podemos esquecer também do contínuo fluxo de atletas de nações próximas, do Leste Europeu e até da Escandinávia que chegam com qualidade duvidosa e de baciada à Península Itálica.

A ideia da FIGC, sete anos atrás, era justamente valorizar a formação de novos valores e dar oportunidade aos nativos do país, mas, em suma e como já escrito, nada mudou. Uma das provas disso pode ser vista na atual temporada (2017/2018), já que os oito primeiros colocados da Serie A (Napoli, Internazionale, Juventus, Roma, Lazio, Sampdoria, Milan e Bologna), os melhores times até agora (14ª rodada), somados, possuem mais que 60% de seus elencos formados por estrangeiros! O número torna evidente que os clubes preferem apostar naqueles que vêm de fora em vez de dar chance ao prata da casa. A consequência clara e natural se faz na dificuldade quase crônica em formar jogadores, e a impossibilidade de conferir espaços a eles.

No Brasil, a partir de 2013, aumentou-se de três para cinco, o número máximo de estrangeiros por equipe, e o “conceito estrangeiro”, aqui, independe do país de origem do jogador, pois imaginemos se, aos nativos de países pertencentes ao Mercosul, não houvesse restrição... talvez um Gabriel Jesus jamais seria, em tão pouco tempo, o que é hoje. Vale a ressalva de que é evidente a diferença de relacionamento entre os integrantes do Mercosul e da União Europeia, até porque não se trata do mesmo modelo de bloco econômico. Porém, é dessa maneira que os clubes brasileiros incentivam e possibilitam a entrada de jogadores de base.

Não se trata aqui de nenhum tipo de visão xenofóbica de mundo. Apenas é válido pensar que algo de estranho acontece e não é de agora. Limitar o número de jogadores estrangeiros é salutar para que jovens italianos não acabem sem espaço e as seleções de base não fiquem sem opções convincentes para convocações, deixando padecer a squadra principal como um time comum que, aliado a um treinador comum, traz o luto para uma nação que respira e se une por uma paixão: o futebol.

A Hibridez do Tech-Noir

24 de novembro de 2017

Por Aline Reis

Gêneros de origem

Entre os anos de 1940 e 1950 houve a ascensão de um subgênero de filme policial, o Noir. Traduzido como “filme negro” em francês, o termo definiu todo um estilo de filme, com histórias de suspense e investigação envoltos em traição e vingança. Eram gravados em preto-e-branco e com alto contraste, sob influência da cinematografia do expressionismo alemão. Os filmes desse período continham uma estética muito singular e memorável, tendo as femmes fatales - mulheres sedutoras e de caráter questionável, representando vilãs ou anti-heroínas - como personagens recorrentes, assim como os detetives em seus escritórios apertados.

Trinta anos mais tarde, na década de 1980, um outro subgênero, dessa vez da ficção científica, surgiu: o Cyberpunk. Muito diferente do Noir, apresentava um universo degradado, com alto nível de tecnologia e baixa qualidade de vida (High tech, Low life), com uma visão pessimista do futuro e tendo os marginalizados e rejeitados como protagonistas. Cidades amontoadas, sujas e com pouca iluminação são o cenário presente nos filmes desse subgênero, que nasceu como uma contraposição à representação otimista do futuro presente nas obras utópicas.

Stranger on the Third Floor (1940), clássico Noir e Robocop (1987), clássico da Ficção Científica.

O Tech-Noir

Combinando o clima e cenário de dois subgêneros tão distintos surgiu o Tech-Noir, mantendo o suspense e a investigação dos filmes Noir e os cenários de um futuro pessimista do Cyberpunk, além de outros elementos do próprio gênero da Ficção Científica. De acordo com Emily E. Auger em seu livro “Filme Tech-Noir: Uma Teoria do desenvolvimento de Gêneros Populares”, os filmes desse gênero apresentam “tectonologia como um força destrutiva e distópica que ameaça todos os aspectos da nossa realidade”. Entretanto, é complicado considerar o Tech-Noir tanto como um subgênero da ficção cientifica quanto o resultado de algo unicamente influenciado pelo cyberpunk em si. A definição proposta pelo site Exploring Dystopia facilita o reconhecimento dessa diferenças: “Tech-Noir está relacionado ao cyberpunk e geralmente é rotulado como tal, mas as distopias Tech-Noir geralmente possuem mais profundidade psicológica e existencial. A atmosfera é mais fascinante, ameaçadora, nebulosa e melancólica do que na média Cyberpunk e a perspectiva sobre tecnologia, urbanização e ambiente é muito mais complexa. Os contextos espetaculares nas distopias Tech-Noir são fundos principais para experimentos intelectuais, na maior parte dos casos extremamente inovadores e imaginativos.”

Um dos pontos mais interessantes desse tipo de filme são os questionamentos relacionados ao ser-humano e à sociedade (em consequência de sua relação com a ficção científica). A humanidade do homem e da máquina são constantemente questionadas em tais obras, que também criticam a relação do homem com a Terra e a consequência de seus atos no futuro.

A partir disso, é possível considerar que o Tech-Noir adquiriu características próprias e distintas de qualquer outro gênero ou subgênero, estabelecendo um estilo particular, tanto de cenários e filmagem quanto de narrativas e questionamentos, superando as barreiras colocadas por qualquer outro estilo que o tenha influenciado primeiramente.

O termo Tech-Noir foi cunhado durante o filme The Terminator (1984), sendo o nome do clube noturno no qual o Exterminador encontra-se pela primeira vez com Sarah Connor, fator crucial para o desenrolar da trama.


Cena do filme The Terminator (1984).

A obra mais icônica do Tech-Noir - e uma das mais icônicas de toda a história do cinema - é o filme Blade Runner (1982), que consegue retratar os pontos principais do gênero. Sua cena inicial, se colocada sob um filtro preto-e-branco, poderia facilmente ser confundida com um filme policial dos anos 40, enquanto que a Los Angeles representada ao longo da obra é de um clima denso e iluminada por luzes de neon, como em vários cenários de ficção científica. Além de tudo, o filme - dirigido por Ridley Scott e inspirado no livro de Philip K. Dick “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?” - carrega inúmeros questionamentos, contando inclusive com a subversão do sentimento de humanidade, quando os androides da trama mostram-se mais compassivos que o próprio ser humano.


Poster do filme Blade Runner (1982).
Infelizmente, os aspectos teóricos e outras questões mais profundas referentes ao Tech-Noir são pouco discutidas, existindo um número reduzido de trabalhos e textos sobre o assunto. Esse gênero proporciona abertura para extensas discussões, que vão desde a representação das mulheres nos filmes desse estilo até as semelhanças dos universos ficcionais com a nossa própria realidade.

Entre o natural e o cirúrgico: como o Brasil enxerga o parto humanizado e a cesárea

23 de novembro de 2017

Por Amanda Leite

Brasil é campeão de cesáreas no mundo. Fonte: Portal UOL

"Eu tinha tudo para ter um parto normal, mas a possibilidade do cordão estar em volta do pescoço da criança me dava muito medo. Ninguém me tranquilizou em relação a isso", conta Patrícia Alves (29) que há três anos teve sua primeira filha. "A verdade é que os médicos de plano de saúde não tem interesse em fazer parto normal". A história de Patrícia é muito semelhante a de outras tantas mulheres: atualmente, mais de 86% dos partos realizados no país pela rede particular foram cesárea, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que essa taxa caminhe por entre os 10% ou 15%.

Se partir para a cirurgia não é o recomendado, por que no Brasil se realizam tantas cesáreas? De acordo com especialistas, durante os anos 90, a cirurgia ficou conhecida como um procedimento "dois em um": durante o parto, já se esterilizava a mulher que não queria ter mais filhos. Hoje, os motivos são outros: marcar uma cesárea é mais cômodo para o médico, que pode se programar, evitando ligações inoportunas no meio da noite ou horas acompanhando um trabalho de parto - além de lucrar mais, podendo realizar várias cirurgias em um único dia. Para isso, a indústria vendeu uma imagem que convencesse a mulher a escolher se submeter a cesárea. "A mensagem enviada pela comunidade médica é que a cesariana é uma forma de parto mais moderna e higiênica, enquanto o parto normal é feio, primitivo e sujo", diz Simone Diniz, do departamento de saúde pública da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista à BBC Brasil. Ela acredita que muitas mulheres se sentem pressionadas a optar pela cirurgia, tornando a indústria em torno dos partos uma "máquina de fazer dinheiro".

Patrícia Alves no dia do nascimento de sua filha Isabela. Fonte: Arquivo Pessoal

Para Alves, o anseio do parto normal ultrapassava o medo da dor: "Eu tinha pavor da episiotomia, e não sabendo da opinião do meu ginecologista, optei pelas lacerações normais", contou. "Tem médico que faz isso [a episiotomia] de rotina". Episiotomia é uma incisão efetuada na região do períneo para ampliar o canal de parto e é recomendada em casos específicos, como necessidade de parto instrumentalizado ou sofrimento fetal. "Hoje sei que o ato sem consentimento é crime, mas conheço várias mulheres que passaram por isso", acrescenta.

A violência obstétrica no parto normal afeta milhares de mulheres e assusta tantas outras. Entretanto, são poucas que enxergam os abusos em um momento em que estão tão fragilizadas: "Elas não conseguem reconhecer a violência, pois já estão muito ligadas a um certo lugar da mulher na cultura. A mulher está acostumada ao corpo dela ficar muito à mercê do outro. Só na medida em que elas descobrem que o parto poderia ser de outra forma é que compreendem o que sofreram",  explica a psicóloga Vera Iaconelli, diretora do Instituto Brasileiro de Psicologia Perinatal - Gerar. "Intervenções desnecessárias ou desculpas esfarrapadas acontecem mesmo, é preciso se proteger", afirma Alves, que hoje acredita estar mais informada em relação ao parto normal e seus direitos.

Protesto contra parto forçado em São Paulo. Fonte: Zanone Fraissat/Folhapress

Embora a cesárea ainda esteja muito presente no Brasil, cada vez mais surgem novos movimentos que defendem o parto normal e prometem quebrar com a hegemonia das cirurgias. Em 2015, a lei que defende o parto humanizado no Sistema Único de Saúde (SUS) foi finalmente conquistada, depois de muita pressão e protesto. Antes, para ter acesso a esse tipo de parto, a gestante precisaria desembolsar quantias enormes ou depender do plano de saúde. Graças a essa lei, o parto humanizado, que não se limita apenas ao nascimento do bebê, mas sim a todo processo da gestação, o momento em que se dá à luz e o pós-parto, foi democratizado e agora dá liberdade para a mulher escolher que tipo de experiência deseja viver.

Mesmo com tantas mudanças, tanto jurídicas como culturais, o parto normal ainda carrega tabus e assombra milhares de mulheres, que se veem rendidas à cesárea. A saúde feminina se transformou em um mercado extremamente lucrativo e, contra isso, a informação continua sendo a maior aliada para se destruir a mão de ferro que o capitalismo impôs sobre aquelas que engravidam.

Fonte: BBC Brasil, Bebê.com e Folha de S.Paulo.

ENSAIO:"Vem pra rua, vem. Contra o racismo!"

20 de novembro de 2017


Por Marjorie Wartanian


O dia 20 de novembro é de reflexão e luta. Dia da Consciência Negra, o feriado é uma homenagem a Zumbi dos Palmares desde 2003. Foi neste dia, em 1695 que morreu Zumbi, representante da luta dos negros no Período Colonial do Brasil e então líder do Quilombo dos Palmares. Sua morte ocorreu em combate, defendendo seu povo e se tornando ícone de resistência.


A abolição da escravatura aconteceu oficialmente em 1888, mas durante toda a história os negros lutaram contra a opressão e resistiram. Mesmo com leis contra discriminação e com 53% da população sendo negra o Brasil ainda é absolutamente racista. A maioria dos negros que chegam ao país descrevem a população da mesma forma: "Eles são violentos".


Assim, a criação do feriado é uma forma de reflexão e lembrança da história dos negros no Brasil e também mais um dia de luta contra o racismo, que ocorre incisivamente no país. Desde sua criação o feirado conta com Marchas contra o racismo e o genocídio do povo negro. A Marcha de 2017 foi a 14º  levou milhares de pessoas à Avenida Paulista mesmo com a chuva. 


O tempo nublado e a não cooperação da CET  e da Polícia Militar não impediram o acontecimento da Marcha, mas mostraram que os negros estavam dispostos a lutar contra as injustiças e massacres que vivem diariamente. Às 13h o evento oficial da Marcha fez a seguinte publicação: "(URGENTE) A *Frente Alternativa Preta* juntemente com a *Marcha da Mulheres Negras - SP* e a *Convergência Negra* comprometeram-se com a realização da *14° Marcha da Consciência Negra*, realizaram todos os procedimentos relativos às autorizações para a participação dos carros de som que nos acompanhariam durante a marcha. Todavia, a *CET*não compareceu à reunião com as representações dos movimentos, a *PM* e a *Guarda Cívil* para organizar a atividade. Foram feitas diversas tentativas de contanto com a CET, temos inclusive, o comprovantes com o número de protocolo. Neste momento, a *PM*, em virtude da "não autorização da *CET*, que se recusou ao diálogo, está impedindo a dos carros de som na Av. Paulista, local de concentração da Marcha, bem como, está dizendo que impedirá os carros de seguirem o trajeto da marcha." Mostrando que não se calariam, os presentes na Avenida Paulista fizeram com que o evento acontecesse e a Polícia e a CET começaram a fazer seu trabalho.


Por volta das 16h as pessoas começaram a andar em direção à Rua Consolação e a Marcha começou a ganhar visibilidade e grandes proporções. As pessoas chegavam dando mais peso à causa e os gritos por respeito e contra o racismo ficavam cada vez mais altos. Além da voz das pessoas a caminhada contou também com baterias em diversos pontos, elas foram delineando e dando ritmo à cada palavra.


Desde "Pelo fim da PEC 181" até "Não à redução da maioridade penal", os diversos cartazes contextualizavam o Movimento, todos com pautas importantes, mas lutando pela mesma causa: O fim do racismo.


O racismo é estrutural e herança da sociedade escravocrata. A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com o Índice de Vulnerabilidade Social Os jovens negros entre 12 e 29 anos estão mais vulneráveis ao homicídio do que os brancos com a mesma idade. Entre 2005 e 2015 o índice de mortalidade de mulheres negras subiu 22%. O racismo acontece e muitos fingem não ver, mas os dados comprovam sua existência.









A pressa por um diagnóstico impreciso

18 de novembro de 2017

Por Amanda Leite
 
Otávio ainda não pôde ser diagnosticado pelos médicos. Fonte: Amanda Leite/O Articulista

Em um ponto de cor no Cangaíba, Zona Leste de São Paulo, mora Otávio, de 6 anos. Ele, sua mãe, Vanessa, e seu irmão, Gabriel, foram resgatados da rua pela família da química Cristina Paixão (49) - agora, em sua simpática casa, moram os quatro, o marido de Cristina, suas duas filhas e sua nora. Desde o nascimento de Otávio, os médicos suspeitavam que a criança tinha TEA (Transtorno do Espectro Austista). "Agora, o médico ortopedista dele acha que ele tem uma outra síndrome. Antigamente, eles [os médicos] tinham mais certeza que era autismo, hoje ficam mais em cima do muro", relata Cristina, que se considera vó da criança. O garoto, que foi pré-diagnosticado com autismo com pouquíssima idade, agora intriga a medicina: "O autista tem algumas especificações que o Otávio não possui, como a interação com as pessoas", acrescenta Paixão.

Otávio também apresenta problemas na fala e, por isso, faz acompanhamento com a fonoaudióloga há alguns anos. A profissional Fernanda de Melo (30), acredita que, mesmo tendo uma considerável e rápida evolução, o caminho de Otávio continua árduo:  "O diagnóstico dele ainda não foi fechado, mas agora eu, a psicóloga e a neurologista estamos investigando juntas", acrescenta. Em pouco tempo, com a ajuda da terapia e de medicamentos, Otávio, que falava apenas algumas sílabas, hoje já consegue conversar mais e interagir: "Mesmo com a melhora, às vezes não conseguimos entender o que ele quer dizer, é preciso que ele demonstre com mímicas ou aponte o que deseja", afirma Melo.

A fonoaudióloga Fernanda de Melo em consulta domiciliar com Otávio. Fonte: Amanda Leite/O Articulista

Otávio corresponde a uma estatística curiosa: nos anos 50, 1 a cada 500 crianças era diagnosticada com autismo. Hoje, esse número pulou para 1 a cada 68. Para Carlos Gadia, neurologista pediatra e diretor associado do Dan Marino Center, do Miami Children's Hospital, nos Estados Unidos, essa alteração foi causada graças as novas e diferentes formas de se diagnosticar o autismo. "Até meados dos anos 1990, para ser considerada autista, a criança precisava não interagir socialmente nem se comunicar. Depois foi considerado ter alguma alteração na qualidade da comunicação e da interação social em comparação com outras da mesma idade. Com isso, houve uma expansão no diagnóstico", explica.

Em 2013, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais juntou várias subdivisões e criou o termo TEA - Transtorno do Espectro Autista. "Não há mais Síndrome de Asperg, Transtorno Global ou Invasivo de Desenvolvimento. Tudo virou TEA. Os especialistas criaram essas subdivisões pois achavam que ter grupos homogêneos dentro dos transtornos facilitaria as pesquisas, mas não foi o que aconteceu. Essas subdivisões só causam confusões para a família. Essa mudança de nomenclatura reafirma a ideia de espectro, de que há diferentes severidades do problema", afirma Gadia.

Otávio faz parte do grupo de autistas que, na contramão do que se acredita, interagem com o outro. Fonte: Amanda Leite/O Articulista

Embora atualmente seja um assunto mais tratado, o autismo continua dando origem a inúmeros questionamentos na medicina. "Os médicos não conseguem reconhecer os sintomas porque não estão preparados para isso", diz a psiquiatra da infância e da adolescência Rosa Magaly Moraes. "A psiquiatria infantil não é disciplina obrigatória na formação de um pediatra". Hoje a psiquiatria moderna considera o autismo um distúrbio do desenvolvimento - ou seja, algo causado por uma anormalidade no processo de formação do cérebro. Quando, onde e por quê, ninguém sabe exatamente - mas essa possibilidade explicaria as inúmeras faces do TEA, como o fato de existirem autistas tão diferentes entre si. Atualmente, já se sabe que um autista pode ser incapaz de produzir uma simples palavra enquanto outro indivíduo pode demonstrar total domínio das regras gramaticais. Por esse motivo, hoje se fala mais em espectro autista. O termo abrange uma série de distúrbios, caminhando por entre o "autismo clássico" até formas mais brandas - esse leque de opções, na prática, leva o especialista a decretar um diagnóstico precipitado e não preciso.

Para crianças como o Otávio, entretanto, a luta continua. Além dos anos de terapia e estudo para se confirmar o autismo, ainda há muitas questões sociais a serem resolvidas, como escolas inclusivas e a desconstrução do preconceito. Para Cristina, o diagnóstico ainda está longe de ser finalizado: "Um dos médicos acredita que ele possui mais uma síndrome, que afeta o sistema ósseo. Foram anos de tratamento sem considerar essa possibilidade". Enquanto o autismo for um mistério para a medicina e os diagnósticos forem imprecisos, a solução nunca se mostrará suficiente.

Fonte: Revista Época, Correio Braziliense e Portal UOL.

Mianmar: da "limpeza étnica" aos interesses econômicos

17 de novembro de 2017

Por Larissa Coelho

Refugiados rohingya esperam para receber auxílio em Cox's Bazar, Bangladesh. Fonte: Cathal McNaughton / Reuters

Quando se trata de conflitos no Oriente Médio, África e Ásia é comum ouvir a explicação preponderante de que existem como consequência de um ódio irracional enraizado na cultura ou religião, pois tratam-se de "conflitos étnicos seculares".

Mianmar, de acordo com a versão oficial, plenamente adotada pela mídia, seria um desses casos. O país, localizado no sul da Ásia, vivencia uma "limpeza étnica", segundo a ONU. Cerca de 1 milhão de muçulmanos rohingyas vivem em Mianmar, país predominantemente budista. A maioria mora de maneira precária no estado de Rakhine, palco dos episódios recentes de violência.

Os rohingyas atualmente protagonizam uma fuga em massa de Mianmar para o país vizinho Bangladesh que vive uma crise humanitária com acampamentos de refugiados superlotados. Haveria pelo menos 650 mil rohingyas em Bangladesh. "A magnitude e a velocidade do fluxo [de refugiados] não tem precedentes em Bangladesh", afirma o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), relatando que "60% dos refugiados são crianças".

Quem são os rohingyas


Um grupo de refugiados Rohingya vindos de Mianmar para Bangladesh, descansam em sua nova área de refúgio na cidade de Kuala Langsa na província de Aceh. Fonte: AFP

Os rohingyas, um grupo étnico que pratica o islamismo, vivem no território de Mianmar há gerações e, no entanto, não fazem parte dos 135 grupos locais oficialmente reconhecidos. São proibidos de casar ou de viajar sem a permissão das autoridades e não têm o direito de possuir terras ou propriedades, além de serem vítimas de trabalho forçado, extorsão e restrições à liberdade de circulação.

Falam um dialeto particular e distindo dos idiomas falados no estado de Rakain, o Rhingya ou Ruaingga. Têm a cidadania negada pelo governo de Mianmar desde 1982, e por décadas vêm fugindo de perseguições - sobretudo para Bangladesh, Malásia, Índia, Nepal e EUA -, onde quase sempre enfrentam situações de vida precárias.

Desde que o país se tornou independente, os rohingyas têm sido vítimas de negligência e repressão. Nos últimos anos, com as mudanças políticas e sociais ocorridas no país, viram uma onda de violência voltar a emergir contra eles. Após ter sido governado por uma junta militar por mais de 50 anos, Mianmar vinha passando por uma democratização e por melhorias no campo social, que não atingiu o povo rohingya.

Como o conflito começou 


Refugiados Rohingya desembarcam de um barco no lado bengalês do rio Naf. Fonte: Masfiqur Sohan / Getty Images

Em 2012, violentos confrontos no país orquestrados por extremistas de maioria budista deixaram cerca de 200 mortos, centenas de casas e edificações muçulmanas destruídas e 100 mil desabrigados. Autoridades foram acusadas de não agir para defendê-los.

Em agosto desse ano, a violência explodiu novamente: o Exército lançou uma grande operação, após a rebelião do Arakan Rohingya Salvation Army (ARSA) contra cerca de 30 delegacias de polícia. Cerca de 500 pessoas morreram, em maior parte membros da minoria muçulmana, segundo o exército.

Para Zeid Ra'ad Al Hussein, o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, o tratamento que Mianmar dá à minoria muçulmana rohingya se assemelha a um "exemplo de limpeza étnica de manual".

Quase que por ironia, o governo de Mianmar é liderado de facto pela vencedora do Prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, que se limitou a dar apoio ao Exército, garantindo que "as forças de segurança receberam instruções" para "evitar danos colaterais e que os civis inocentes fiquem feridos durante sua missão legítima de restaurar a ordem". Aung San Suu Kyi depende do poderoso movimento de monges nacionalistas, que consideram os muçulmanos uma ameaça para Mianmar.

A questão econômica 


Uma mulher rohingya segura um bebê que morreu quando o barco em que estavam virou logo antes de alcançar a margem do Golfo de Bengala em Bangladesh. Fonte: Zakir Hossain Chowdhury / Getty Images.

A compreensão das causas para o conflito em Mianmar depende de um olhar atento, não limitado às causas sociais e culturais, mas ampliado à movimentação política e econômica da região. Enquanto os olhares se direcionam para a situação como uma questão de conflitos étnicos, corporações veem nela um quadro favorável à expansão de seus domínios.

À medida que a crise do povo rohingya é amplamente criticada por diversos países, a China ainda mantém relações com o governo de Mianmar, em meio a uma estratégia comercial, energética e de infraestruturas chinesa no Sudeste Asiático. Os ataques contra os rohingya têm ocorrido em um local de desmatamentos de terra, próximo de terminais de de petróleo e gás, pelos quais os combustíveis são transportados até a China.

Mianmar foi considerada a "última fronteira asiática" para o processo de expansão capitalista na região. Começou a abrir sua economia na década de 1990, mas só concluiu o processo depois de reformas realizadas em 2006, tornando-se propício para corporações de mineração e companhias de petróleo e gás.

Em 2012, uma mudança na lei que regula a aquisição de terras teve como consequência um vasto processo de expropriação das mesmas para o favorecimento de investidores estrangeiros que atingiu milhões de habitantes, independentemente de sua religião.

Por meio dessa perspectiva, o conflito de Mianmar ultrapassa as barreiras das diferenças étnicas e religiosas e se torna um meio de liberar a obtenção de terras e recursos para as corporações. Dessa forma o apelo por diálogos e acordos entre as partes conflitantes mira apenas no conflito e esquece de questionar as causas econômicas e políticas.

Velozes e Furiosos: Onde a velocidade encontra obstáculos

16 de novembro de 2017


Por Enzo Kfouri


Anitta cantando o hino nacional brasileiro. Despedida de Felipe Massa. Hamilton em atuação brilhante após largar em último. Vitória de Vettel. Mesmo com eventos que geraram grande repercussão no Grande Prêmio do Brasil de Formula 1 2017, ocorrido nesse último final de semana (10 a 12/11), o que mais chamou a atenção para os holofotes internacionais foi justamente algo que não estava no roteiro: o assalto a funcionários da Mercedes, na saída do autódromo.

 Na noite de sexta (10), vans da equipe de Hamilton e um carro da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) foram abordados por assaltantes armados nos arredores do Circuito de Interlagos, quando os funcionários deixavam o autódromo, após os treinos livres. Os bandidos pararam o carro que levava os mecânicos da Mercedes, enquanto uma van da Williams, logo atrás, testemunhou o fato. Os assaltantes também tentaram abordar um veículo blindado com funcionários da FIA, mas não obtiveram sucesso.

Hamilton chega na quarta posição após largar em último e tem uma grande atuação no GP do Brasil. Fonte: Sebastião Moreira/EFE

Apesar de ter chocado a imprensa internacional, esse está longe de ser um caso isolado. A região de Interlagos, na zona sul de São Paulo, é conhecida pela violência e dados do G1 mostram que, segundo a delegacia de Cidade Dutra, 48º DP, o bairro conta com 764 casos de roubo somente neste ano, entre janeiro e setembro, o equivalente a quase três incidentes por dia.

“Alguns integrantes da minha equipe foram abordados por homens armados ontem à noite quando deixavam o circuito aqui no Brasil. Tiros foram disparados, a armas foram apontadas para a cabeça de alguns. Isso é tão perturbador para se ouvir. Por favor, rezem pelos meus companheiros que são profissionais e estão abalados”, contou Lewis Hamilton, campeão da temporada 2017 com duas rodadas de antecedência, em seu Twitter, para mais de cinco milhões de seguidores. "Isso acontece todos os anos. A Fórmula 1 e as equipes precisam fazer mais, não tem desculpas!”, afirmou o piloto.

Mesmo com o reforço policial da Secretaria de Segurança Pública depois desse episódio lamentável, mais três tentativas de assalto foram registradas nesse fim de semana, sendo uma delas a uma van da Pirelli nesse domingo (12). Com isso, a empresa italiana em decisão com a FIA, informou, também via Twitter, o cancelamento de testes que faria na pista após a corrida. 

Por mais que a segurança local tenha evitado que outros casos ocorressem durante o final de semana, o perigo na região ainda é eminente e o drama da falta de segurança continua sendo vivido diariamente pelos moradores, que se tornam reféns no próprio bairro. Não são raros os assaltos a estabelecimentos comerciais e quem vive pela área acaba recorrendo a métodos que vão além do escasso policiamento, como a contratação de empresas de segurança motorizada. 

Palco do GP do Brasil de Fórmula 1, autódromo de Interlagos em imagem aérea. Fonte: Divulgação

Os assaltos, entretanto, não são os únicos problemas que assombram o GP de Interlagos. Sem patrocínio pelo segundo ano seguido e dependente exclusivamente da venda de ingressos para a obtenção de lucro, a etapa da Fórmula 1 no Brasil acumula um déficit de R$100 milhões. Neste ano, a Petrobras, que foi a apoiadora entre 2009 e 2015, voltou a dar dinheiro para a corrida, mas dessa vez para a empresa que gere o campeonato, a FOM (Formula One Management), e não a promotora da prova em São Paulo.

A Heineken é dona dos “naming rights” da corrida, mas o acordo também não dá dinheiro aos organizadores, pois a companhia é parceira global da F-1 e empresta seu nome a competições que não possuem um patrocinador. Já a Globo tem direito a algumas placas de publicidade ao redor da pista, mas negocia os espaços com os cotistas.

Outros parceiros da FOM, como a Emirates, Rolex e DHL também tem áreas destinadas a publicidade, em que podem deixar expostas duas marcas, porém os valores são repassados a televisão. A única receita, portanto, se mostra a venda de ingressos, que atraem menos público a cada ano por seus preços estupidamente caros, uma vez que nem mesmo os produtos licenciados vendidos ao redor do autódromo entram na conta dos organizadores.

Lewis Hamilton em comemoração pelo tetracampeonato da Formula 1. Piloto ocnquistou o título com duas corridas de antecedência. Fonte: Sky Sports  

A cidade de São Paulo tem contrato com o GP do Brasil até 2020, mas a renovação do contrato já deve ter inicio no ano que vem. Os promotores do GP, contudo, ainda não sabem com quem vão negociar porque o prefeito João Doria planeja privatizar o autódromo em 2018. Por conta disso, a mudança de cidade após 2020 não se encontra totalmente descartada por quem promove o evento.

Para Hamilton, em entrevistas ao sair da prova, providências devem ser tomadas acerca da segurança no local: “Espero que o governo também veja isso como uma oportunidade. Não podemos olhar para isso apenas pelo lado negativo, mas procurar por uma solução. Espero que a segurança esteja melhor no próximo ano”. “Eu, definitivamente, acho que temos que correr aqui. Amo correr aqui, os fãs, a atmosfera, os aplausos, a energia que vem das arquibancadas”, completou o tetracampeão mundial. 
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