Menina(s) de Ouro
POR ENZO KFOURI
Fanny Durack. Vencedora da prova
dos 100m livres da natação nos Jogos Olímpicos de Estocolomo em 1912. Teve de
bancar sua própria ida porque o governo australiano achava uma perda de
dinheiro enviar mulheres para competir. Theresa Weld. Medalhista de bronze na
patinação artística na Antuérpia em 1920. Foi criticada por um dos jurados,
pois suas manobras eram consideradas “impróprias para uma dama”. Joan
Benoit. Campeã olímpica da maratona
feminina em Los Angeles 1984 quando acreditava-se que as mulheres não eram
capazes de competir em provas longas de corrida.
Três nomes pouco conhecidos, mas
que possuem uma grande importância para o esporte mundial pelas barreiras por
elas rompidas. Em um ambiente predominantemente ocupado por homens, o que vemos
nessas e em outras mulheres são exemplos da luta diária pela equidade de gênero
no esporte de alto rendimento e também fora dele.
Como muitos já sabem, os Jogos
Olímpicos no formato que temos hoje é inspirado nos Jogos Panatenaicos, ou
Jogos Olímpicos da Antiguidade, que eram realizados na Grécia Antiga no
santuário de Olímpia, em homenagem a Zeus. Era um evento religioso, que não podia
ser disputado nem assistido por mulheres, sendo a única presença feminina
permitida a das Sacerdotisas, as “mensageiras dos deuses” que traziam boa sorte
aos competidores e entregavam as coroas de oliveira aos campeões.
Essa visão ultrapassada seguiu viva
no renascimento do espírito olímpico nos primeiros jogos da modernidade em
1896, que ocorreu a partir da iniciativa do francês Pierre de Fredy (Barão de
Coubertin). Na época acreditava-se que os Jogos eram “coisas de homem” por
motivos culturais, antropológicos e, principalmente, físicos. A verdade é que a
mulher ainda era vista como sexo frágil, havendo a crença de que o sexo
feminino não possuía capacidade física para disputar e aguentar competições que
tivessem qualquer contato físico.
Para protestar contra essa ideia, a
grega Stamata Revithi acabou realizando o percurso da maratona de 40km um dia
após a prova masculina dos jogos desse mesmo ano. No final, conquistou um tempo
inferior a alguns homens que competiram oficialmente, o que comprovou que as
mulheres tinham capacidade para competir se quisessem.
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Tabela 1: Ascendência da participação feminina nas Olimpíadas. Fonte: COI, 2011 |
Entretanto, a participação das
mulheres só foi aceita em termos na edição seguinte, em 1900, quando elas
podiam competir em dois esportes: o tênis e o golfe, por serem consideradas
modalidades mais leves. Mesmo assim, eram consideradas atletas extra-oficiais
que não recebiam medalhas ou coroas de oliveira, somente o certificado de
participação.
Aos poucos o COI (Comitê Olímpico
Internacional) foi permitindo a participação feminina, porém sempre em
modalidades que não exigissem muito do físico. Tudo começou enfim a mudar em
1917, quando uma francesa chamada Alice Milliat cria a Federação Esportiva
Feminina Internacional, que reivindica a entrada efetiva das mulheres nas
competições de atletismo e de outras modalidades das Olimpíadas.
Para pressionar o COI, a federação
acaba criando os Jogos Olímpicos Femininos em 1922, que são realizados
novamente em 1926 e 1930. Devido ao sucesso de público, o esporte feminino ganha
destaque e é integrado definitivamente ao programa oficial da entidade em 1936.
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Maria Lenk em reportagem do jornal Sport Illustrado. A nadadora foi a primeira brasileira a competir pelo Brasil. Fonte: Sport Illustrado |
No Brasil o desenvolvimento do
esporte feminino também foi lento. A primeira atleta brasileira a competir pelo
país foi a nadadora Maria Lenk, nos jogos de 1932 quando tinha apenas 17 anos.
A partir disso a participação das brasileiras em olimpíadas continuou a
crescer, mas ainda de maneira precária e com pouco incentivo.
As primeiras medalhas femininas saíram
em Atlanta 1996, em que o vôlei de quadra, que contava com nomes como Fernanda
Venturini, garantiu o bronze, o time de basquete de Hortência e “Magic” Paula,
a prata, e o vôlei de praia de Jacqueline e Sandra Pires, o inédito ouro. As
primeiras medalhas individuais vieram somente em Pequim 2008, quando Ketleyn
Quadros faturou o bronze no judô e Maurren Maggi, o ouro pelo salto em
distância.
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Jacqueline (esquerda) e Sandra Pires (direita), campeãs do vôlei de praia, comemorando a primeira medalha de ouro feminina brasileira da história em Atlanta 1996. Fonte: Guia da Semana |
Quando falamos sobre a participação
da mulher no esporte, tem-se a falsa ideia de que o mundo já superou essa visão
arcaica e que vivemos um período de plena igualdade. Talvez hoje não haja o
impedimento da participação de uma atleta mulher somente por se acreditar que
ela não seja capaz pelo esforço físico, entretanto vale ressaltar que
foi somente nos jogos de Londres em 2012, com a entrada do boxe feminino, que as mulheres puderam competir em
todas as modalidades disponíveis. É somente desde a penúltima edição das
Olimpíadas que há uma real equidade de gênero e é por isso que muita coisa
ainda tem que mudar.
Felizmente já passamos da discussão
sobre “ser permitido ou não uma mulher competir”, porém, ainda há muito que
contestar, como a falta de incentivo ao esporte feminino e as diferenças de
salário entre atletas homens e mulheres. O que também é curioso é que por mais que hoje
não se argumente sobre a participação das mulheres, parece que chegamos a
outro embate: a participação de transexuais. Mas isso já é assunto para
outro texto.
Puxa Enzo!
ResponderExcluirQue artigo interessante!
As informações sobre como se deu a inclusão das mulheres nos jogos olímpicos, eu jamais saberia, não fosse por esse artigo no O Articulista.
Obrigado por compartilhá-las.
E a relação com o movimento dos transgêneros, não só dá um outro artigo, como tb abre uma grande discussão sobre esse tema.
Parabéns!!!