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Menina(s) de Ouro

POR ENZO KFOURI


Fanny Durack. Vencedora da prova dos 100m livres da natação nos Jogos Olímpicos de Estocolomo em 1912. Teve de bancar sua própria ida porque o governo australiano achava uma perda de dinheiro enviar mulheres para competir. Theresa Weld. Medalhista de bronze na patinação artística na Antuérpia em 1920. Foi criticada por um dos jurados, pois suas manobras eram consideradas “impróprias para uma dama”. Joan Benoit.  Campeã olímpica da maratona feminina em Los Angeles 1984 quando acreditava-se que as mulheres não eram capazes de competir em provas longas de corrida.

Três nomes pouco conhecidos, mas que possuem uma grande importância para o esporte mundial pelas barreiras por elas rompidas. Em um ambiente predominantemente ocupado por homens, o que vemos nessas e em outras mulheres são exemplos da luta diária pela equidade de gênero no esporte de alto rendimento e também fora dele.

Andreia Bandeira (Vermelho) em disputa com Atheyna Bylon (Azul) pela categoria de até 75 kg do boxe feminino na Rio 2016. Modalidade feminina entrou para o programa olímpico em 2012.  Fonte: Saulo Cruz/ Exemplus/ COB


Como muitos já sabem, os Jogos Olímpicos no formato que temos hoje é inspirado nos Jogos Panatenaicos, ou Jogos Olímpicos da Antiguidade, que eram realizados na Grécia Antiga no santuário de Olímpia, em homenagem a Zeus. Era um evento religioso, que não podia ser disputado nem assistido por mulheres, sendo a única presença feminina permitida a das Sacerdotisas, as “mensageiras dos deuses” que traziam boa sorte aos competidores e entregavam as coroas de oliveira aos campeões.

Essa visão ultrapassada seguiu viva no renascimento do espírito olímpico nos primeiros jogos da modernidade em 1896, que ocorreu a partir da iniciativa do francês Pierre de Fredy (Barão de Coubertin). Na época acreditava-se que os Jogos eram “coisas de homem” por motivos culturais, antropológicos e, principalmente, físicos. A verdade é que a mulher ainda era vista como sexo frágil, havendo a crença de que o sexo feminino não possuía capacidade física para disputar e aguentar competições que tivessem qualquer contato físico.

Para protestar contra essa ideia, a grega Stamata Revithi acabou realizando o percurso da maratona de 40km um dia após a prova masculina dos jogos desse mesmo ano. No final, conquistou um tempo inferior a alguns homens que competiram oficialmente, o que comprovou que as mulheres tinham capacidade para competir se quisessem.

Tabela 1: Ascendência da participação feminina nas Olimpíadas. Fonte: COI, 2011

Entretanto, a participação das mulheres só foi aceita em termos na edição seguinte, em 1900, quando elas podiam competir em dois esportes: o tênis e o golfe, por serem consideradas modalidades mais leves. Mesmo assim, eram consideradas atletas extra-oficiais que não recebiam medalhas ou coroas de oliveira, somente o certificado de participação.

Aos poucos o COI (Comitê Olímpico Internacional) foi permitindo a participação feminina, porém sempre em modalidades que não exigissem muito do físico. Tudo começou enfim a mudar em 1917, quando uma francesa chamada Alice Milliat cria a Federação Esportiva Feminina Internacional, que reivindica a entrada efetiva das mulheres nas competições de atletismo e de outras modalidades das Olimpíadas.

Para pressionar o COI, a federação acaba criando os Jogos Olímpicos Femininos em 1922, que são realizados novamente em 1926 e 1930. Devido ao sucesso de público, o esporte feminino ganha destaque e é integrado definitivamente ao programa oficial da entidade em 1936.

Maria Lenk em reportagem do jornal Sport Illustrado. A nadadora foi a primeira brasileira a competir pelo Brasil. Fonte: Sport Illustrado

No Brasil o desenvolvimento do esporte feminino também foi lento. A primeira atleta brasileira a competir pelo país foi a nadadora Maria Lenk, nos jogos de 1932 quando tinha apenas 17 anos. A partir disso a participação das brasileiras em olimpíadas continuou a crescer, mas ainda de maneira precária e com pouco incentivo.

As primeiras medalhas femininas saíram em Atlanta 1996, em que o vôlei de quadra, que contava com nomes como Fernanda Venturini, garantiu o bronze, o time de basquete de Hortência e “Magic” Paula, a prata, e o vôlei de praia de Jacqueline e Sandra Pires, o inédito ouro. As primeiras medalhas individuais vieram somente em Pequim 2008, quando Ketleyn Quadros faturou o bronze no judô e Maurren Maggi, o ouro pelo salto em distância.

Jacqueline (esquerda) e Sandra Pires (direita), campeãs do vôlei de praia, comemorando a primeira medalha de ouro feminina brasileira da história em Atlanta 1996. Fonte: Guia da Semana


Quando falamos sobre a participação da mulher no esporte, tem-se a falsa ideia de que o mundo já superou essa visão arcaica e que vivemos um período de plena igualdade. Talvez hoje não haja o impedimento da participação de uma atleta mulher somente por se acreditar que ela não seja capaz pelo esforço físico, entretanto vale ressaltar que foi somente nos jogos de Londres em 2012, com a entrada do boxe feminino, que as mulheres puderam competir em todas as modalidades disponíveis. É somente desde a penúltima edição das Olimpíadas que há uma real equidade de gênero e é por isso que muita coisa ainda tem que mudar. 

Felizmente já passamos da discussão sobre “ser permitido ou não uma mulher competir”, porém,  ainda há muito que contestar, como a falta de incentivo ao esporte feminino e as diferenças de salário entre atletas homens e mulheres. O que também é curioso é que por mais que hoje não se argumente sobre a participação das mulheres, parece que chegamos a outro embate: a participação de transexuais. Mas isso já é assunto para outro texto.

Um comentário

  1. Puxa Enzo!
    Que artigo interessante!
    As informações sobre como se deu a inclusão das mulheres nos jogos olímpicos, eu jamais saberia, não fosse por esse artigo no O Articulista.
    Obrigado por compartilhá-las.
    E a relação com o movimento dos transgêneros, não só dá um outro artigo, como tb abre uma grande discussão sobre esse tema.
    Parabéns!!!

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