CRÔNICA: Sua mãe sabe que você assedia mulheres?
Voltando para casa esse domingo, me deparo na rua com cinco caras parados do lado de um carro estacionado. Já é noite, e não tem muita gente passando. Está calor e por isso uso shorts. Mesmo acostumada com os olhares nojentos que sempre lançam, ainda me sinto exposta e vulnerável, então trato de apertar o passo.
Até que um dos caras grita "Ê lá em casa" e eu, ingenuamente, olho para trás. Minha resposta imediata foi falar "nossa, que desnecessário" bem alto. Mas agora que paro e penso, queria ter falado poucas e boas. Ou não. Sabe por quê? Porque mulheres morrem quando fazem isso.
Michelle levou pauladas na cabeça e ficou internada por quatro meses antes de morrer. Tatiane estava grávida quando levou cinco tiros e morreu na varanda da própria casa. Tiarah levou um tiro no rosto depois de falar para um homem parar de se esfregar nela. Tuğçe apanhou repetidamente na cabeça por um taco de baseball depois de defender duas adolescentes em um McDonald's, e ficou em coma por duas semanas antes de morrer. Esses são somente alguns exemplos de como não estamos seguras nas ruas, em restaurantes, e nem na nossa própria casa.
Quando penso na quantidade de assédio que nós mulheres sofremos todos os dias, não posso deixar de me perguntar: será que a mãe/esposa/irmã/amiga desses caras sabem que eles fazem isso? Imagino o que uma mãe faria se descobrisse o que seu filho faz na rua com outras mulheres. Que chamam de gostosa, não respeitam o espaço pessoal de cada um, que gozam em outras pessoas no transporte público, tiram fotos da calcinha de moças de saia, e ameaçam quem ousa responder. Que, na balada, pegam em meninas com força o suficiente para deixar marcas, forçam beijo, não sabem ouvir "não".
A violência -- tanto física quando psicológica -- contra a mulher é tão intrínseca na sociedade que, por algum motivo, homens se veem intitulados de tratar corpos alheios como bem entendem. Mas sabe o que me deixa mais confusa? É que, ao mesmo tempo que esses homens assediam mulheres nas ruas, fazem o maior escândalo quando alguém assedia a mulher deles.
Tudo bem assediar o outro, contanto que esse outro não seja minha propriedade.
Também me deixa confusa que esse tipo de comportamento é incentivado nos meninos desde cedo; em contraste, para as meninas ensina-se a discrição. Acho que, em vez de falar para as meninas terem cuidado ao andar pela rua, seria melhor ensinar os meninos a não assediarem em primeiro lugar. Oras, se uma criança tem uma faca, é mais coerente tirar o objeto da mão dela do que ensinar as outras dez crianças como se defenderem.
Pergunte a todas as mulheres que você conhece, e tenho certeza que todas dirão que, em algum momento de suas vidas, foram assediadas -- em menor ou maior grau. Pode ser desde um "Ê lá em casa" até apertões na balada ou olhares desnecessários na rua. Agora, se você perguntar para os homens que conhece, também tenho certeza que dirão que "não, nunca, jamais assediei alguém na rua".
Coerência? Nunca nem vi.
Honestamente, queria dar algum tipo de solução para que isso não voltasse mais a acontecer. Infelizmente acho que no meu tempo de vida não vou ver o corpo da mulher ser respeitado, e não tratado como propriedade pública. Também acho utópico pensar que tal coisa deixaria um dia de existir.
Acho que só nos resta fechar a cara e rezar para que o cara que assovia para nós na rua não queira nos matar.
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