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O poder transformador da poesia marginal

24 de abril de 2018

Por Thays Reis


Slam das Minas representado por Luz Ribeiro, Mel Duarte, Pam Araujo e Carolina Peixoto. Foto: Renata Armelim

Em meio a racismo, misoginia, pobreza e amores, a população periférica resiste e mostra sua potência na arte. Faz da vivência, poema e com um grupo de palavras, concretizam a transformação. A poesia das margens faz pela sociedade muito mais do que a Academia já fez. Aproxima a arte do cotidiano, devolve a política para as mãos da população e une diversas pessoas para trocar histórias e se ouvirem mutuamente. Como diz o poema da slammer Mariana Felix, “A poesia marginal explica: Foi o hip-hop e não os decassílabos dos lusíadas que fez muito moleque que hoje escreve, enfim, parar de cheirar cocaína”.

Os Slams são campeonatos de poesia, em que os participantes possuem apenas 3 minutos para apresentar sua arte – uma poesia sem adereços ou acompanhamento musical. Geralmente de autoria própria. O Júri é escolhido na hora na plateia e dá notas de 0 a 10, mesmo que os ouvintes sempre gritem “credo!” quando a nota é abaixo do limite máximo.

Juradas dando nota máxima a poeta participante. Foto: Renata Armelim

Movimento que teve início em Chicago, Illinois, com Marc Smith em 1984, o slam ou ainda conhecidos em inglês como poetry slam ou spoken word (palavra falada, em inglês), se espalhou pelo país e, nos anos 90, pela América. Foi adotado por muitos jovens e artistas independentes, que viram nessa forma de fazer arte uma oportunidade de ampliar a literatura e fazê-la mais acessível, desde seu público ao seu conteúdo. A intenção era e ainda é fazer uma arte próxima da vida cotidiana, próxima da vida real e da população.

O nome “Slam” também não é traduzido. Seria uma representação de um barulho, um estrondo, algo como uma porta se fechando alto. Essa onomatopeia simboliza o conteúdo das poesias recitadas, textos fortes, impactantes, com barulho, com grito, com uma crítica que pode causar inúmeras sensações, de risadas a lágrimas nos olhos. É sentimento e intensidade, diferente da usual declamação pausada de poesia clássica.

Nos slams se discute amor a política, abuso e violência. Racismo, feminismo e a luta de classes e suas desigualdades também se fazem sempre presentes. Em 3 minutos os poetas tomam as responsabilidades pra si, representam um grupo e falam pelas dores próprias e dos seus iguais, que retribuem gritando, aplaudindo e participando ativamente das apresentações.

No Brasil, a primeira batalha de poesia foi idealizada por Roberta Estrela D’alva, atriz, diretora e poeta que ganhou em terceiro lugar na Copa do mundo de Poesia Slam de 2011, além de membra fundadora do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, que mistura teatro com hip-hop. Foi o coletivo que organizou a primeira competição da poesia, chamada de ZAP – Zona Autônoma da Palavra.

SLAM DAS MINAS

O Slam das Minas surgiu no Distrito Federal em 2015, seguido por São Paulo, Goiânia, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Pernambuco, Salvador, Minas Gerais, Belém, Alagoas, Mato Grosso e com projeção para crescer ainda mais. 

Tatiana Nascimento, idealizadora desse slam feito apenas por mulheres, trata o sucesso da ação como uma semente que frutifica. “Acho que isso tudo é quinem achar uma semente alada, dessas que têm asas translúcidas y às veis passam displicentes num vento morno na frente da nossa mirada: pequena, delicada, secreta, mas corajosa…”; é assim, com uma narrativa poética, rica na simplicidade, com diversas influências e elementos, que Tatiana descreve o processo de disseminação do Slam das Minas na introdução do livro “Mudas - falas são sementes em germinação”, livro independente de 25 poetas que já passaram pelo Slam das minas.

A Casa das Rosas foi anfitriã do Slam das Minas, pela terceira vez, em um evento que ocorre anualmente. Em cima do palco quatro mulheres unidas pelo mesmo ideal: criar um espaço de voz e acolhimento para as minas, monas e manas no contexto da competição de poesia falada. 

E elas dão o recado logo no começo da tarde, no evento realizado na Casa das Rosas, com seu manifesto, ou melhor “Manifesta”, que convida as mulheres a falarem, os homens a respeitarem e, por fim, convida o participante a se abrir à transformação. “Prepare sua alma, do jeito que entrou aqui, não mais sairá”, uma profecia do Slam das Minas que se cumpre a cada encontro espalhado pelo país.

Com direito a Pocket Show de Danna Lisboa, artista trans e negra, lançamento do livro Sangria de Luiza Romão e uma pequena apresentação de dança descontraída das organizadoras, o encontro foi cheio, não só de poesia, mas de pessoas compartilhando suas próprias histórias dispostas a se ouvirem, além de uma novidade no Slam das Minas SP: Foi o primeiro evento que contou com intérprete de libras, garantindo maior acessibilidade.

Antes da competição de fato, o microfone ficou aberto para qualquer um que desejasse falar, nessa fase não há jurados nem notas, apenas as performances. Uma dupla que se destacou foi “OsRetirante”, um homem e uma mulher que constituem um projeto de resgate da cultura nordestina que recitou um poema sobre a segunda violenta Guerra de Canudos.

Depois do aquecimento, começa de fato a competição. “Slam das minas, monas monstras!” é o grito de guerra antes de cada poesia e, a partir desse momento apenas mulheres falam. Na maior parte das vezes política e social, a crítica se faz exemplificando na própria vida, o contexto de uma problemática maior. Temas como o machismo, misoginia, racismo, violência e religião foram recorrentes nas pautas das mulheres que passavam pelo microfone. 

As poetas recitaram seus poemas e, após uma primeira rodada em que todas as inscritas se apresentaram, só passou para segunda quem gabaritou a pontuação, ou seja, recebeu 10 pontos de cada uma das 3 juradas escolhidas aleatoriamente na plateia.

Kimani e Luiza Romão, vencedoras do slam. Foto: Renata Armelim

Kimani, poeta que mostra a militância na sua arte, ganhou em primeiro lugar junto com a escritora Luiza Romão, que aborda temas como a corrupção e frustração na política e estava lançando seu livro Sangria. O terceiro lugar foi conquistado por Tayla Fernandes com poemas sobre ser mulher e sobre o preconceito contra a população negra.

Assistente social e estudante de psicologia na FMU, Cynthia Santos adotou o vulgo Kimani, que significa menina doce em africano, para publicar as coisas que escrevia sem que a identificassem. Hoje, sem medo de dizer o que pensa, o vulgo representa sua força e potência.

Poeta Kimani declamando sua poesia. Foto: arquivo pessoal.
A poeta conta que seu gosto pela escrita vinha desde pequena em cartinhas de amor que escrevia para a família, mas foi para lidar com um fim de relacionamento que essa escrita se aprimorou e se tornou crucial na sua vida. Hoje sua poesia tem muito a ver com sua luta. “Pra mim é muito tranquilo escrever uma poesia sobre ser negra ou sobre me incomodar com a possibilidade que uma classe social tem e outra não, porque eu sou assistente social, é isso que eu vivo diariamente”, explica a poeta “escrever é só um desabafo, um contínuo e, de certa forma, uma resposta”.

Kimani conheceu o campeonato de poesia através de vídeos do Slam Resistência, grupo que se reúne toda primeira segunda-feira do mês na Praça Roosevelt. Porém, a primeira vez que participou foi no Slam da Norte em março de 2017; “minha primeira vez foi bem forte, como são todas as vezes, mas no começo você aprende e percebe que tem 3 minutos para falar e ser ouvido. Para alguém que nunca fala, nunca comenta o que sente, 3 minutos é uma eternidade para você se expressar.”

O Slam cresceu consideravelmente nos últimos anos e, mais do que tamanho, ganhou importância na vida dos jovens, que podem se expressar e serem realmente ouvidos. Como estudante de psicologia, Kimani acredita que a fala é um processo terapêutico que ajuda as pessoas preteridas e excluídas do sistema a se encontrarem e lidarem com suas questões pessoais ou num sentido coletivo: “A fala é terapêutica porque você precisa decodificar todo um emaranhado de sentimentos. É preciso entender, peneirar e racionalizar esses sentimentos em escrita. Além disso, o ser ouvido também é terapêutico e o slam promove isso, um espaço onde as pessoas podem falar e serem ouvidas.”

Danna Lisboa se apresentando na Casa das Rosas. Foto: Renata Armelim

Além de ouvir a voz de inúmeras pessoas preteridas na poesia, o Slam das Minas também convidou uma artista trans e negra para fazer um show. Danna Lisboa realizou um pocket show, dançou junto com a plateia e entre cada música, contava um pouco de sua história e de sua luta por ser uma mulher trans negra.

Danna começou sua carreira nos palcos LGBTQ+ de São Paulo nos anos 2000 e, após um período de sucesso se apresentando, passou por um relacionamento abusivo que a fez desenvolver depressão em 2006. Depois de um período de luta e luto, encontrou na dança incentivo e uma maneira de sair daquela situação. A cantora já escrevia músicas antes de se apaixonar pela dança, mas foi com o tempo e unindo os dois amores que ela foi criando coragem para mostrar sua música. “Daí pra frente fui descobrindo mais e mais sobre meu som e agora estou aqui.”

Na cena musical, Danna vê várias pessoas trans ocupando os espaços e fazendo sua arte, mas acredita que nada está ganho ainda: “eu passo transfobia quase todo dia, mas a arte é um meio de informar e educar. Acho que estamos caminhando, mas a existência de pessoas trans na sociedade ainda está longe de ser normalizada”.  

Não Vai Ter Copa?

18 de abril de 2018

Por Enzo Kfouri

Meses antes da Copa de 2014, discutia-se nas ruas a possibilidade de ocorrer ou não o evento no Brasil por conta dos protestos que tomaram as ruas no ano anterior. Quatro anos depois, a dois meses do jogo de abertura da edição de 2018, a realização do torneio se tornou uma incógnita, não por impopularidade entre os locais, mas por conflitos diplomáticos que envolvem o país sede e os EUA.

A Rússia possui estreita ligação com o governo sírio, de Bashar Al-Assad,  e o presidente russo Vladimir Putin já havia declarado durante a semana passada que uma ação militar do ocidente em território sírio poderia desencadear uma guerra. Rebatendo a essa afirmação, o presidente dos EUA Donald Trump ironizou no Twitter: “A Rússia promete abater todos os mísseis direcionados à Síria. Prepare-se, Rússia, porque eles serão lançados"

Putin e Trump se cumprimentam em encontro durante a cúpula do G20. Fonte: REUTERS/ Carlos Barria  


Entre farpas em redes sociais e ameaças vazias, todo esse caso ganhou uma repercussão maior quando, na sexta-feira (13), mísseis foram lançados de fato, em um ataque de coalizão orquestrado por EUA, Reino Unido e França contra pelo menos três instalações ligadas a armas químicas nos arredores de Damasco, capital da Síria.

Em resposta ao ocorrido, blogs, perfis e páginas nas redes sociais já adiantam o que seria a concretização de uma Terceira Guerra Mundial. Paralelamente ao aspecto político, suscita-se na internet a dúvida sobre a realização ou não da Copa do Mundo realizada entre junho e julho deste ano em território russo.

Estádio do Maracanã em partida pela Copa de 2014. Fonte: Divulgação/Maracanã

“Segundo o regulamento da FIFA, se o país-sede da Copa estiver em guerra, o evento será realizado na sede anterior”. Essa mensagem circulou fortemente no Facebook e em grupos de Whatsapp, criando nas pessoas a esperança ou a decepção de que o Brasil receberia novamente a Copa. Entretanto, ao contrário do boato espalhado, o regulamento da Copa do Mundo de 2018 é claro e não traz a possibilidade nem do retorno do torneio à sede anterior e nem de ele não acontecer na Rússia.

 Somado a isso, com menos de dois meses para o apito inicial, é impossível  pensar em uma mudança de sede, uma vez que a maioria dos ingressos já foi vendida e é indispensável a realização de eventos-teste antes da competição. Para alegria ou tristeza dos brasileiros, o mais plausível seria o adiamento da competição, como já aconteceu antes, inclusive em períodos de guerra.

Seleção Brasileira durante o hino à capela antes do jogo contra o México na Copa de 2014. Fonte: Estadão
Depois da Copa de 1938 na França, a FIFA optou por não realizar as edições de 1942 e 1946, por conta da 2ª Guerra, adiando o retorno do evento para 1950 no Brasil, um território considerado neutro. Outra ocasião semelhante foi a mudança da sede da Copa de 1986 para o México. Inicialmente o mundial deveria ter sido realizado na Colômbia, que desistiu por conta de dificuldades econômicas e da insatisfação com as exigências da FIFA.

Imaginando um cenário catastrófico, o mais provável seria o adiamento da competição, talvez para 2019 ou 2020, dependendo da situação política que a Rússia se encontraria. De qualquer forma, dificilmente voltaria ao Brasil, já que também há o critério de rodízio de continentes na escolha do país-sede, devendo a próxima Copa ser realizada na Europa ou na Ásia. Assim, fãs ansiosos com o retorno da competição em territórios nacionais, resta apenas esperar por mais alguns anos, caso o país volte a se candidatar no futuro.

Lolita, a orca esquecida

9 de abril de 2018

Pela colaboradora Giulia Espir



Lolita em seu tanque, em Miami. Foto: divulgação


“É apenas trágico que Lolita seja mantida nesse ambiente torturador por tanto tempo” é assim que a Dra. Ingrid N. Visser, única bióloga marinha especializada em orcas do mundo, descreve a situação de Lolita. Em seu mini documentário “A Day in the Life of Lolita, The Performing Orca” a bióloga aponta que a orca vive há mais de 40 anos isolada no Miami Seaquarium, na Flórida.

A baleia foi aprisionada na maior captura de orcas da história, quando sete animais da espécie foram enclausuradas e vendidas para parques marinhos pelo mundo. Com apenas quatro anos, e por míseros US$6000, foi vendida para o Miami Seaquarium onde vive até hoje.




Lolita é a orca mais velha do mundo em cativeiro, pesando por volta de 3 toneladas e medindo em torno de 6 metros. Ela vive no menor tanque dos EUA, com aproximadamente 10 metros de comprimento, 24 metros de largura e 6 metros de profundidade no seu ponto mais fundo. Essas condições estão em total desacordo com as normas do Serviço de Inspeção Sanitária e Fitossanitária de Animais e Plantas (APHIS), departamento responsável por essa fiscalização. De acordo com o órgão, o tanque deve ter no mínimo 14 metros de cada lado a partir do ponto central. Além disso, o tanque de Lolita não possui proteção alguma contra o sol, o que pode causar bolhas na pele da baleia e outras complicações. Apesar do conhecimento das irregularidades no Seaquarium de Miami, as autoridades americanas se negam a tomar medidas contra esse absurdo e Lolita continua sofrendo com as consequências, demonstrando que o governo americano não está interessado em proteger os animais que lá vivem (ou sobrevivem).

As orcas são chamadas de baleias assassinas, mas são mamíferos marinhos que pertencem à família dos golfinhos e se alimentam de focas, arraias e peixes. Esses animais – apesar do nome – são extremamente inteligentes, sociáveis e vivem no mesmo grupo durante toda a vida. Também é sabido que essa espécie pode nadar mais de 160km diários enquanto fazem diversas atividades como caçar, dormir e brincar em grupo. Portanto, Lolita estar a mais de 40 anos confinada em um tanque minúsculo e sem nenhum contato com outro animal de sua espécie é uma atrocidade.

Em cativeiro, é comum que orcas apresentem comportamentos anormais e repetitivos, como ficar flutuando sem vida por horas, bater a cabeça contra o concreto, roer as paredes e tirar a cabeça da água reiteradamente. Tal conduta causa sérios danos a saúde dos animais, como ingestão de toxinas, dentes quebrados e machucados na pele, o que leva a diversos tipos de infecções que podem ser fatais. Segundo a Dra. Visser é possível observar exatamente essas atitudes em Lolita, que também exibe queimaduras pelo corpo por conta do sol escaldante de Miami.




Há um plano para que a baleia possa se aposentar em paz, longe dos shows e desse ambiente deplorável em que vive. A ideia é readaptá-la para a vida no oceano, ensinando-a como nadar em um espaço maior e alimentar-se de peixes vivos. Para isso, o plano é leva-la para uma baía que será fechada com redes, onde Lolita poderá ter a sensação de liberdade e a experiência do mar, mas de uma forma controlada. Após esse treinamento, ela será solta no mar aberto, onde poderá se reunir com sua família - que ainda está viva segundo pesquisadores da área que acompanham o grupo a anos.



Mesmo com todos os dados do plano indicando ser o melhor para o bem-estar de Lolita, o Seaquarium de Miami não concorda que a baleia deve ser aposentada e libertada para um ambiente digno de se viver; ao contrário, eles alegam que ela deve permanecer aonde está, pois está sendo bem cuidada e é o lugar mais seguro para ela. Obviamente essa seria a opinião da administração do parque, já que a baleia é vista apenas como um meio de lucro e como um objeto para o entretenimento humano. Apesar de inúmeras tentativas de ativistas para libertar o animal, a corte dos EUA também não aceitou o caso alegando que não há provas suficientes que indicam os maus tratados de Lolita. Em meio a tudo isso, a orca continua confinada e sozinha no menor tanque dos Estados Unidos, apenas esperando o seu fim. É claro de perceber que a situação de Lolita é precária - para dizer o mínimo - e que a crueldade humana não tem limites quando se trata de lucrar com animais enjaulados.

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"Isso não é 'entretenimento familiar'" Foto: campanha na internet


Ativistas como a Dra. Visser e a ONG PETA (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais) continuam a lutar para que Lolita seja libertada e possa viver o resto de seus dias em um lugar digno para uma orca. Além disso, existem diversas petições e protestos com a hashtag #freelolita circulando pela internet, contudo é de extrema importância que a história dessa orca seja espalhada e compartilhada. Após mais de 40 anos sozinha e presa a uma “piscininha”, Lolita merece a liberdade e um final feliz.

#freelolita















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